11/30/2008

Distância



"Onde vai dar essa distância
Que alimento há tanto tempo | E me esqueço | Como voltar |
Quem vai achar | A diferença | Se a verdade se repete como farsa | No fim"


Não sei se é a idade, ou o mundo em que a gente vive. Mas pelo menos pra mim, a vida parece cada vez mais atribulada, e o tempo passa cada vez mais rápido em um ritmo atordoante. As 24 horas do dia há muito não são suficientes pra lidar com o acúmulo de pequenas e grandes tarefas, compromissos, problemas, exigências. E nesse turbilhão, a gente vai ficando cada vez mais distante. Todo mundo se fechando em suas conchas particulares, alimentando certezas que se revelam ilusões.
A cada dia me convenço de que as pessoas complicam as coisas além do que elas já são complicadas. Parece que todo mundo tenta romancear ou novelizar a vida na esperança de fazê-la mais interessante. Mas só o que se consegue com isso são mais problemas, mais distanciamento fomentando intolerância e incompreensão. E o que é essencial, a lealdade e o companheirismo verdadeiro, a cumplicidade e a afinidade que se manifesta concretamente não em discursos, mas em atitudes, acaba ficando em segundo plano, soterrado pela vaidade.

"Vivo à caça de motivos pra estar vivo | Só o existir me empurra pro abismo"

Longe de mim querer dar conselhos ou lição de moral a quem quer que seja, muito pelo contrário. Falo isso como quem pensa alto e faz uma reflexão muito mais sobre si mesmo e sua própria perplexidade crônica diante das coisas. Como a maioria, me sinto completamente perdido e acuado por esse mar de dúvidas e perguntas sem resposta. Um cachorro correndo atrás do próprio rabo, condenado a dar voltas em círculo.
Mas as vezes tenho a sensação de que mesmo a busca pelas respostas é apenas uma forma de mascarar a própria insegurança diante da verdade de que elas não existem, ou pelo menos, que elas não fazem qualquer sentido. Como dizia o Manfredini Jr, “o mistério é não haver mistério algum”.

"Os dias passando só pra preencher o tempo | Como rabiscos num caderno antigo | Não me interessam mais embora me atropelem quase sempre"

Nunca estivemos tão conectados, e ao mesmo tempo, tão solitários. Nunca houve tanto acesso a informação e a bens culturais, e paradoxalmente, tanta apatia, essa esmagadora sensação de impotência e de que tudo já foi feito, e que só nos resta ir empurrando os dias, colecionando “coisas”, escravos de necessidades artificiais que a indústria cria apenas para nos tornar dependentes. Amontoamos eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, peças, móveis, discos que vamos ouvir mas não escutar, livros que nunca vamos ler, e se lermos, nunca realmente vamos tirar deles qualquer sentimento ou impulso concreto de ação e mudança, de crescimento pessoal e criação. Pois a criação é generosa, e dentro de nossos mundinhos pessoais estamos cada vez mais avarentos com os sentimentos. Na maioria das vezes todas essas coisas não passam de meros objetos que servem apenas para nos ocupar, nos entreter e nos fazer esquecer mesmo que somente por alguns instantes o imenso e inexorável vazio de nossas vidas.
Nunca tivemos tantos meios materiais e técnicos pra se fazer o que se quer, e paradoxalmente, estivemos tão paralisados, fragilizados e incapazes de dar o primeiro passo, de fazer dos sonhos o motor das realizações. Assustados, nos defendemos com frases feitas e idéias preconcebidas - niilismo de botequim - apenas para ter o que dizer ou parecer um pouco menos indefesos.

"O fim que chega toda manhã | Quando você fica na cama dormindo sozinho | A tevê ligada, as vozes e as luzes na janela aberta"

E assim passamos nossas vidas, cheios de convicções que disfarçam medos, "verdades" que só escancaram nossas inseguranças e nosso total e absoluto despreparo e desamparo diante de uma realidade que nos domina e canibaliza. Perdemos a a capacidade de perceber o valor das pequenas coisas, da amizade desinteressada, da alegria descompromissada, dos pequenos gestos e seus grandes significados.
Afinal, não podemos abrir a guarda. É preciso primeiro garantir que o meu ponto de vista prevaleça, mesmo que ele implique em se entregar à inércia. Se nada há que se fazer, não fazemos nada, e podemos continuar nos lamentando sobre o que podíamos ser e não fomos, pois assim quis o "destino".

"Eu só queria te contar uma história | Voltar pra casa e lembrar cada detalhe escondido | Seria belo e rápido como tudo que a gente construiu e ruiu no instante seguinte"

Me sinto cansado e “sem vontade de ter vontade”. Gostaria muito de dizer o contrário, mas seria mentir pra mim mesmo. Como dizia a canção, resta rezar para que seja “apenas mais um dia ruim”. Joãozinho Podre tinha razão: não há futuro, nem saída a vista. Só uma esperança fugidia de que em algum lugar, algum dia isso tudo faça sentido, ou pelo menos, de que a gente possa esquecer de tudo, e viver o presente sem temer que ele seja apenas uma fuga para o abismo do nada, e a existência, um exercício de frustração diária.

5 comentários:

Túlio disse...

todo mundo tem celular, msn, email. todo mundo pode continuar longe do outro.

Anônimo disse...

é por aí, Tulio.

André Ramiro disse...

Pancada Ivanzera...a coisa toda alimenta qual bicho? Tento achar, mas nada. Nada mesmo.

Túlio disse...

li semana passada um livro do Zygmunt Bauman. O cara fala mais ou menos isso ai que vc escreveu e que todos nos estamos vendo. recomendo.

Anônimo disse...

alimenta o bicho homem, com todas as suas ilusões, crenças (bobas ou não), medos, covardias...arrogância, egoísmo. não tem celular, msn, orkut que acalme isso