6/16/2015

"Triste dos que procuram dentro de si respostas porque lá só há espera"


Semana passada, depois de muito tempo, andei bastante de ônibus e o melhor de não estar dirigindo, além de olhar a vida passando na janela, é conseguir ouvir música de verdade. O velho mp3 de guerra estava ao alcance com algumas antigas canções. Não pretendia ouvir apenas uma banda, mas não consegui tirar Blanched Toca Angelopoulos, um disco que continua, dez anos depois, me remexendo de um jeito muito impressionante. Escrevi em vários momentos sobre o quinteto de Novo Hamburgo (RGS),  formado por Marcelo Koch (bateria), Priscila Wachs (flauta transversa), Leonardo Fleck (guitarra/voz/baixo), Douglas Dickel (guitarra/acordeon/baixo/voz) e Daniel Galera (baixo/guitarra), em jornal e no blog. Relendo agora, é evidente o impacto da banda em mim.

A banda acabou já faz um tempo, mas, já sabemos, as boas canções não acabam e sempre podemos voltar a elas e encontrar novas sensações ao lado daquelas que ficaram por ali. Coloquei o disco no começo de novo, e de novo. e de novo. 
"Triste dos que procuram dentro de si respostas porque lá só há espera". A frase não sai de perto. Seus significados ficam inquietando. E, claro, com ela as lembranças do momentos legais e dos não tão legais, também. Eles foram convidados da programação do Rock de Inverno, mas acabaram tocando mesmo na cidade, depois, em um evento da FCC, numa época em que vivíamos de novo (ou acreditamos que vivíamos) a efervescência do início dos anos 90, com vários festivais e eventos focados na música autoral independente acontecendo, com apoio público direto - não atráves das Leis.

Me dei conta de que este disco completou uma década ano passado. E me dei conta, outra vez, que este é um dos discos que mais gosto, mas ouvi-lo, não é para qualquer dia.
Alguns links bons para ouvir e para ler sobre a Blanched, uma banda especial, que me marcou pra sempre.

http://casablanched.blogspot.com.br/
http://www.lastfm.com.br/music/Blanched


"Não é fácil 'resenhar' um disco como o novo EP da gaúcha Blanched. Suas qualidades são do tipo muito pessoais, passionais mesmo, cujo resultado é capaz de despertar sentimentos nunca intermediários: ou se gosta muito, ou se detesta. O quinteto, de Novo Hamburgo, vem trilhando um caminho absolutamente avesso ao que se conhece como rock gaúcho. Climas instrumentais pesados e uso mínimo de palavras cada vez mais tomam conta do som da banda, transformando sentimentos intensos em tramas instrumentais. No disco anterior, as dores de uma história começaram a ser tratadas. Em Blanched Toca Angelopoulos, as feridas não fecharam. Tem a ver com isso a sinceridade e a verdade, torturantes até, das cinco faixas cheias de uma delicada e dolorida beleza, expostas em arranjos minimalistas que se agarram ao máximo nas mais simples notas. O trabalho abre com 'Tristes dos que procuram dentro de si respostas porque lá só há espera', uma porretada cheia de climas quebrados, guitarras limpas e 'noiadas' que parecem escavar fundo nas mais incômodas, contraditórias e doídas sensações humanas. Aqui não existe paz, a missão é remexer. 'Cada um' soa mais suave, com sua flauta serena e a torrente de palavras no fundo, que provocam um efeito de entorpecimento para depois estourar em novo noise. 'Hoje eu tou melhor', 'Um palhaço no campo de concentração' e 'Casa de descanso' completam o disco, mantendo a mistura de delicadeza, dor e beleza. Mas, como é um disco do Blanched, só podia acabar assim: numa catarse de barulho bom que provoca o entorpecimento da embriaguez, um transe que faz a cabeça girar e o ouvinte engolir em seco o silêncio que fica reverberando o barulho quando a música acaba." (Adriane Perin, jornal Gazeta do Povo, PR)


"A Thiane comentou que ficou arrasada com o CD da Blanched e me deu vontade de dizer mais uma coisa sobre este disco e sobre outros sons nessa linha. As pessoas comentam que é triste, e é. Mas o que provocam em mim não é de jeito nenhum a tristeza da depressão, a tristeza que dá vontade de se trancar num buraco e não olhar mais o dia. Eu não sei explicar direito o que Blanched provoca em mim, mas, com certeza, não é puxar para baixo, nunca. Me alimentam, estes sons. Me dão vontade de fazer mais e mais coisas legais. Me dão vontade viver de um jeito muito vivo. Me mostram que se eu não fizer, vai ficar sem fazer. Não me empurram para a imobilidade nostálgica de uma saudade de algo que não tenho. Ao contrário. Parece que me trazem forças para encarar outro dia, de trabalho, de existência, para correr atrás de patrocínio para o Rock De Inverno, de fazer um jornalismo minimamente decente. Porque é, também, para essas pessoas que eu faço jornalismo, o Rock De Inverno, a De Inverno. Me parece que tem alguma relação com o que sinto com o frio. Estava pensando nisso hoje, indo, caminhando às 8 da manhã para o trabalho, ouvindo Blanched e OAEOZ, no fone. O frio, que todos ao meu redor detestam, me faz sentir mais viva. Quando ele bate no meu rosto, cortando, gelado, de alguma maneira me desperta, me alerta que não tem outro jeito de viver o dia, senão com muita, muita intensidade. Como se não tivesse mais nenhuma alternativa, mesmo. E não há, para mim, não há. Eu sinto coisas gritando tão alto dentro de mim." (Adriane Perin, jornalista e produtora, PR)




"Ouvi ontem à noite o novo EP da Blanched, Blanched Toca Angelopoulos. Estou meio zonza até agora, quando começo a ouvi-lo novamente, pela segunda vez, de manhã, 9 horas, para começar mais um dia de trabalho. Fui dormir pensando nas melodias. Acordei pensando em ouvir o disco novamente. É gostar de uma banda de um jeito que não é só o mero gostar, por gostar. É ser pego de jeito por sons que desmontam mesmo. E aí, depois, do primeiro disco que derrubou, vem o outro. Quando ouvi a primeira faixa, ontem à noite, não lembrei dela do show que vi no Motorrad. Quando ouvi hoje, lembrei claramente que, mesmo não entendendo direito as palavras, naquela noite de um final de semana tão longo e cheio de alegrias especiais e extremamente doloridas. A canção me acertou em cheio. E agora, pela manhã, voltou todo o impacto entorpecente daquela primeira audição. Me vejo de boca aberta, balançando o corpo, olhos fechados naquela escuridão de fumaça. Eu estou até meio que sem saber o que dizer sobre este disco, lindo, triste, carregado, minimalista que deixou quase totalmente de lado as palavras, que é algo que sempre me pega. Na segunda música, 'Cada Um', aquela flauta me lembrou logo de cara Mercury Rev. E a voz que fica no fundo falando e falando. É um disco que exige silêncio, para o levar por um escuro do quarto, mas que traz sensaçães tão boas, também vontades tão boas, tão quentes, de abraçar, de beijar, de chorar, de dizer coisas que estavam para serem ditas fazia tempo. As melhores coisas são ditas no silêncio. No silêncio de um quarto, sem uma palavra, quando as respiraçôes ficam ansiosas. No silêncio de um walkman que leva para longe o que não se quer ouvir e deixa só o que escolhemos para uma manhã nublada - mas não tão fria quanto se pensou que seria. Os climas. O que mais dizer da Blanched? Os climas que eles criam esticando as notas ao máximo e que, parece, nos esticam junto. Essa guitarra que parece colocar uma furadeira dentro da minha cabeça. Outra rasteira. O olhar perdido em algum ponto que ninguém sabe onde está. Eu continuo não sabendo direito o que dizer. Mas sou impulsionada a ouvi-lo e ouvi-lo, como que para conseguir sacar algo que está lá e não consegui pegar ainda. Mas, que está me olhando... E parece que sempre tem mais lá de onde veio isso. Até onde Leonardo, Marcelo, Douglas, Priscila e Daniel irão? Porque eu quero ir junto. Agora não tem mais volta: saiu o novo disco do Blanched. E são estranhas as sensações que ele provoca. Ou não. Na verdade não são nada estranhas. Elas só nos remexem as entranhas. E deixam a gente assim. Aquietadas e exultantes ao mesmo tempo. Hoje eu to melhor, pode saber. E, aí, vem a última faixa. Com palavras, várias palavras. Tão afiadas quanto os climas instrumentais. Só o violão do começo já valeria a música, mas tem mais, muito mais. Depois de cantar 'calma, que essa dor logo passa, essa dor...', eles voltam com seus pensamentos. 'Quando eu voltar, espero deixar mais longe, tão longe, a dor que não me deixa esquecer que este cansaço é sem alívio. Quando eu voltar espero aceitar a tristeza, na crueza da certeza de que os melhores momentos são em silêncio. Quando eu voltar, espero encontrar-te mais forte, mais livre, consciente de que o amor morreu doente.' Difícil continuar aqui depois disso. É isso, são essas sensações, que fazem valer tudo." (Adriane Perin, jornalista e produtora, PR)


Muito legal também foi conhecer os caras e constatar que as afinidades eram tantas. Encontrar, anos depois, as filipetas em cujo verso eles deixaram seu carinho impresso também é muito legal. Nós conhecemos a banda pessoalmente por conta do disco anterior, Ter Estado Aqui,  repertório pelo qual os convidamos para tocar no Rock de Inverno  4, em 2003. O show deles não rolou como gostaríamos, mas a passagem por Curitiba abriu outras portas e, com alegria, os vimos tocar no Memorial de Curitiba.  


6/09/2015

Unknown Pleasures: tocando a distância



Se tem um adjetivo que jamais pensei em relacionar ao nome Ian Curtis foi o de mentiroso. Não, claro que não acho que ele foi um mentiroso. Mas lendo as duas biografias que falam dele, a de Deborah Curtis, "Ian Curtis & Joy Division - Tocando a distância" e a do Joy Division, assinada por Peter Hook, "Unknown Pleasures", me vi diante dessa constatação. O companheiro de banda deixa claro que Ian Curtis escondeu a gravidade de sua doença. Ian também escondeu de sua vida ‘artística’ a mulher, a gravidez e até o nascimento da filha, e tentou esconder sua amante Annik, da mulher e da vida familiar. Mentiu em alguns momentos; e não falou tudo na maioria das vezes. Atormentou-se entre tantos “Ians” todo o tempo, dividido entre as vidas nas quais foi amarrando sua existência. Pra que a banda não parasse por conta da epilepsia, amenizou a gravidade de sua doença, e quando voltava pra casa tinha a esposa Deborah pra tentar recolocar as coisas no eixo. Agora, o que dizer de um rapaz talentoso como ele, no auge da juventude, que tem uma postura machista em casa e que jamais “consuma o ato” com a amante? Peter Hook é claríssimo sobre o assunto em pelo menos duas passagens das 298 páginas lidas até agora. Por conta dos remédios, o sexo, ao que tudo indica, na época em que ele conheceu a belga Annik Honoré e conviveu com ela, não era algo possível. Annik cuidava dele nas viagens e shows. Os ‘muitos Ians’ que ele tinha que administrar eram um tormento que só se dissipava quando estava livre, leve e solto com a banda, em especial no palco.

Nas linhas de Deborah, o tom é sério, pesado, triste e, mais ainda do que magoada, ela demonstra não conseguir entender as razões de Ian. Em Peter, o clima é leve na maior parte do tempo, ácido, cínico, bem humorado e, portanto, muito divertido, engraçado mesmo em algumas passagens. Tem sinceridade nos dois, é evidente, porque é muito diferente ler o livro feito por um biógrafo que esmiúça a vida de alguém e outro escrito por quem viveu, sentiu tudo que conta. Peter fala do talento de Ian, de como a química entre eles e o produtor Martin Hannet levou a discos clássicos. Reconhece erros e faz confissões, xinga uns fdp de bandas, conta as sacanagens – algumas adolescentes e perigosas –, ‘entrega’ os colegas e se entrega também.

Deborah conta sobre o Ian adolescente, garoto certinho, ciumento e possessivo no limite, e incapaz de tomar decisões importantes pra sua vida, em especial as que poderiam ‘manchar’ sua imagem diante da família dela. Tanto que as famílias não tinham ideia da vida complicada que a deles juntos foi se tornando. Me parece que pra mulher de Ian houve a necessidade de contar ao mundo sobre um lado doce, meigo, carinhoso e gentil da história deles. E também o lado agressivo e a relação tempestuosa. (No livro dela e no filme Control tem uma cena que acho muito foda, quando ele confirma, singelamente, que não a ama mais, quando ela tenta outra vez saber o que se passava).
Peter procura ser justo com as duas mulheres e Ian, e reconhece que eles não tinham ideia de muito do que acontecia na vida privada de Ian.

Grosseiramente falando, Deborah mostra o Ian ‘dentro de casa’, e Peter o Ian ‘fora de casa’. E juntos mostram como ao longo de poucos anos ‘esses caras’ vão se transmutando na persona Ian Curtis que se tornou o mito.

Enfim, cenas de uma vida, de pessoas que não são perfeitas, que se atropelam entre erros e acertos e que são atropeladas também pelos acontecimentos e sentimentos. No centro de tudo, a música, que no final foi o que ficou e o que mais importa.

Saio dessas duas leituras com uma imagem um pouco mais completa sobre Ian Curtis. Com histórias de uma turma que virou a música mundial, sobre como alguns caras acreditaram e seguiram em frente. Histórias de como o produtor adorava o fato dos Joys não discutirem com ele, porque “não sabiam absolutamente nada”. As várias tentativas para achar “o” baterista.
Histórias saborosas como de onde Hook ‘tirou’ o som do baixo – desde o instrumento desafinado que soava melhor nas notas altas ou de quando surgiu o afinador, libertando o baixista do mico de ver seu guitarrista tendo que afinar o instrumento no meio de shows, inclusive. Momentos tensos – que agora soam divertidos – como Steve e Peter terem sido suspeitos de ser o estripador de Yorkshire, por conta do roteiro de shows que passou pelos lugares dos assassinatos na época em que aconteceram. “Tocamos nesses lugares porque é nesses lugares que bandas punk costumam tocar”, explicou o baixista. Ou a gravação de um disco de 12 polegadas em um de 7’ e o mico de ter que vender ‘aquilo’ do mesmo jeito porque precisavam de dinheiro.


Mais uma vez, é a história de uma turma de garotos que meio sem saber, meio sabendo, sem querer mas querendo muito, seguiu apostando tudo. Encontrando prazeres desconhecidos e vivendo seus dias juntos, que seriam curtos.

6/03/2015

Cláudio Pimentel e os Misantropos, Plêiade e "a monotonia dos dias sem surpresa"



Conheci o Claudio Pimentel primeiro como vocalista, letrista da Plêiade, depois como vendedor da 801 Discos e na sequência  como dono e balconista do Korova.

Com a Plêiade, ele lançou um dos melhores e mais bem acabados registros do rock feito em Curitiba - "A Descoberta", de 1998 - que tinha na banda também o piano de Marcelo Torrone em uma das mais belas canções já feitas por uma banda curitibana, na minha modesta opinão - "Orações".

Conhecemos a Plêiade antes disso, no início dos anos 90, e logo chamou a atenção o fato de que junto com Relespública e Acrilírico - era das poucas bandas da época que arriscava cantar no idioma pátrio - em uma cena em que a maioria das bandas havia adotado o inglês. E a banda já se destacava pelas letras de Claudião - claramente inspiradas em literatura beat, poesia, cinema - e pela interpretação rasgada dele no palco, em contraste com a atitude ensimesmada do shoegaze-grunge que predominava no underground de então.

A 801 é um capítulo a parte nessa história. mais do que uma loja de discos, se tornou um verdadeiro ponto de encontro do underground curitibano da época e de certa forma um "centro cultural". Lá por exemplo, acompanhei a gravação dos primeiros "Ciclojans" - que começou como segmento do programa Caleidoscópio na rádio Educativa e depois migrou para a televisão pelas mãos de Cyro Ridal. Lembro especialmente da gravação com o pessoal do The Charts (SP), com quem a gente ainda fez uma jam histórica no apto em que moravamos no edifício Tijucas, centrão de Curitiba.

Na 801 era muito legal a relação da gente com os "vendedores" - além do Claudião, o Torrone e o Horácio. Cansei de comprar discos lá no escuro, sem ter a mínima ideia do que tava levando confiando nas dicas, na sensibilidade e no bom gosto dos caras, porque parecia que eles interpretavam o que a gente ia gostar, e quase que invariavelmente acertavam na mosca. foi lá que comprei meus primeiros discos do Tindersticks, Morphine, Mojave 3 e uma pá de coisa que ouço e está nos meus preferidos desde então até hoje e pra sempre.

E ele ainda teve o Korova, saudoso bar lendário do underground curitibano do final dos anos 90, começo dos 2000, onde toquei muito com o OAEOZ, fiz e vi muitos shows memoráveis, como  a Íris.

E agora o Claudião está de volta com Cláudio Pimentel e os Misantropos - "Psiconáutica". E o cara já começa o disco com um direto no fígado: "estou ficando antigo/apegado ao farrapo/agarrado ao obsoleto/acomodado ao usual" (Névoa).



E depois emenda com um cruzado no queixo: "é que hoje você só me faz lembrar a monotonia dos dias sem surpresa/enquanto sentamos mudos lado a lado".



E ainda tem uma gravação de "A árvore" - música que ele tocou com a Plêiade no primeiro Rock De Inverno, em 2000, no Circus - em interpretação que está imortalizada no vídeo documentário do festival feito pelo Marcelo Borges.



Ouvindo esse disco eu me sinto feliz por ver um cara como o Claudião continuar produzindo música de tanta qualidade, independente de modinhas ou expectativas, do chororô e blá blá blá inútil de cena. Simplesmente fazendo o som dele - belas canções, bem feitas, com um texto de alto nível e bom gosto extremo em timbres e climas. Música de gente grande, que não deve nada pra ninguém e nem está em busca de aprovação ou hype. Simplesmente existe e é o que é. E pelo menos pra mim, é bom pra caramba! Porque é música de verdade feita por gente de verdade. Que faz a inexorável passagem do tempo na nossa vida parecer fazer mais sentido, mesmo que isso seja uma ilusão.

Parabéns Claudião - Você conseguiu de novo cara!