5/28/2015

Dez anos de “Às vezes céu” – OAEOZ



Há dez anos, o OAEOZ lançava “Às vezes céu”, terceiro disco da banda, formada na época por Ivan Santos (voz, violão, teclados, gaita), Rodrigo Montanari (baixo), Hamilton de Lócco (bateria), Carlos Zubek (guitarra) e André Ramiro (guitarra).

O disco foi gravado em oito sessões que totalizaram 25 horas, no estúdio Nico´s, entre os dias 29 de fevereiro e 10 de agosto de 2004. Ao todo foram gravadas treze faixas, sendo que doze delas acabaram no CD – nosso primeiro e único prensado em fábrica. A produção musical foi de Ivan Santos e Igor Ribeiro (que também ficou responsável pela mixagem). A produção executiva foi de Adriane Perin. Vinícius Augusto foi o técnico de gravação e Marco MacCoy (Cores D Flores) o assistente. 


Igor também tocou trumpete na faixa “3h30” – adaptação de um texto do dramaturgo Sam Sheppard. A canção “Dizem” - música minha com letra de Rubens K - contou com vocais de Edith de Camargo (Wandula) e o violoncelo de Samuel Pessati. O arranjo de cordas foi escrito por Rodrigo Lemos (Poléxia/Lemoskine). A Patrícia de Souza, mulher do Carlão, fez backing em “Dias tortos”. E o côro final de “Meia-volta” reuniu além do pessoal da banda, da Adri, e da Patrícia uma série de amigos – Rubens K, Mariele Loyola, Marco MacCoy, Luciana Raitani, e Ana Rica Clivati. Esse côro foi gravado na casa do Igor Ribeiro – que fez também a mixagem – e onde rolaram algumas gravações adicionais.


As gravações do disco têm alguns detalhes interessantes. Em “Mar dividido”, a Adri e a Patricía “tocaram” duas “healthy balls” presenteadas a nós pelo casal Thiane e Rafael Martins, da banda Deus e o Diabo (RS). São bolas de metal usadas pelos chineses pra exercícios de meditação e que quando movimentadas fazem um som como se fossem de sinos tocando. Rafael, aliás, escreveu um texto em forma de carta que foi incluído no press-kit do disco.

Já em “Horizontes”, na introdução a gente fez uma brincadeira que era simular o início da música como se alguém entrasse em um carro no meio da chuva e ligasse o rádio. Antes de tocar um trechinho da música, esse “personagem” passeia pelo dial, e entre outras coisas, ouve um trecho de uma gravação do escritor Charlie Bukowski lendo um poema dele.



A foto da capa é uma imagem do Pico Paraná feita pelo André Ramiro – nosso montanhista honorário.




O show de lançamento aconteceu no Teatro Paiol, no dia 28 de maio de 2005. E também teve uma série de participações mais do que especiais. Assim como no disco, a Edith cantou comigo “Dizem”, que contou com violino e violoncelo e o Igor tocou trumpete em “3h30”. E o “final apoteótico” com “Lembranças não valem nada” teve Adri, Lu Raitani e Marcos Linari (La Carne) nos backings. A Lu também cuidou da iluminação. E o Luigi Castel do som – ele me contou recentemente que foi a primeira vez que ele fez som no Paiol. Abaixo as incríveis fotos feitas por nossa amiga Iaskara Florenzano
























Enfim, escrevendo isso e lembrando de todos esses detalhes agora eu percebo como esse disco foi um trabalho coletivo, um “fotograma” musical de uma época e uma turma de amigos que fez tudo isso pelo simples prazer de fazer algo que gosta, sem qualquer outra pretensão. E por mais que isso não tenha importância pra mais ninguém, é muito importante pra mim, porque é o retrato de um pedaço da minha, e da nossa vida, que ficou marcado e que está impresso e gravado em “Às vezes céu”. 

São músicas que falam sobre sentimentos de inadequação e desajustamento. Uma certa vertigem de um mundo que gira e te tira o chão. Um não à idealização do passado – um tempo e um lugar que só existe na nossa cabeça. Um sim a viver a cada dia o seu dia e o futuro agora. Uma trilha musical para a autoconsciência. A dúvida como motor para a descoberta. O desafio de encarar a rotina, “o esmagamento contínuo dos sonhos”. “No future” - estamos vivos e isso é tudo. “Não sinto medo”.

Hoje, reunindo todo esse material e escrevendo esse texto, e percebendo quanta gente querida, amiga e talentosa estava envolvida na produção desse disco e desse show, percebo que ele já não é mais meu ou da banda, mas é de todos nós, que estávamos lá. Uma celebração da vida, da música, da generosidade e da amizade. Me sinto muito feliz por ter feito parte disso. 

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Aproveitando essa celebração, a gente disponibiliza alguns itens inéditos e ou raros ligados ao “Ás vezes céu”.

Abaixo você pode conferir uma música gravada nas mesmas sessões que acabou não entrando no disco. Ela nem chegou a ser totalmente finalizada, e nem nome oficial tinha. Apelidei-a de “Você aqui assim”:



Aqui, a primeira gravação da faixa de abertura, “Lembranças não valem nada”, em registro feito provavelmente no final de 2003, no estúdio Tó, de e por Norberto Pie, que nunca chegou a ser lançada oficialmente:



Aqui, um vídeo feito por Marcelo Borges para a faixa de abertura. Como sempre, ele fez tudo sozinho, lá de Londres, por conta e risco, sem participação da banda. rs



Outra curiosidade que eu só descobri recentemente. "Às vezes céu" virou trilha de cinema. A canção "Vôo baixo" foi usada no filme "Curitiba Zero Grau", como pode ser conferido a partir de 34'46'' no vídeo abaixo:



Esse disco levou o OAEOZ a tocar em São Paulo – dois shows no mesmo dia 5 de abril de 2005, no Centro Cultural de SP e no club OUTS -; Porto Alegre, Londrina, União da Vitória.

Mesmo dez anos depois é difícil pra mim falar dele com distanciamento. Então prefiro deixar aqui algumas críticas que saíram na época, e que expressam melhor do eu poderia dizer.

“Às Vezes Céu, dito primeiro álbum do OAEOZ, é um desses casos raros de belas flores que nascem no asfalto, aumentando a fé e renovando a esperança em novas flores.”

“Afastada dos modismos, OAEOZ aposta em canções maduras e verdadeiras”

"Às vezes céu" é a estrada aberta ou o sinal do trem mudou. (...) Este discocedê é recomendado a quem gosta de desafios. Sua curiosa sonoridade contida que realça a voz me lembra que o jazz irrita ao ouvinte menos afeito justamente por costurar linhas tortas e não de canduras psicodélicas. Se eu sobreviver amanhã, arrumo coragem para ouvir o disco no escuro. Um fino solo de guitarra me devolve a alegria neste instante..." - Mário Pacheco – site dopropiobolso

“E é nessas falhas (como a voz oscilante de Ivan Santos), abertas entre rasgos musicais de almas lavadas e sentimentos contraditórios, que reside o poder arrebatador desse álbum. Um disco bonito demais, bonito como sua capa, bonito como os erros de quem acredita em alguma coisa além de si próprio mas não cai em respostas fanáticas fáceis." - Leonardo Vinhas – site Gordurama

Se na vida, no dia-a-dia, é bom buscar um caminho do meio, como nos ensinou Buda, este conselho, definitivamente, não é bom para a arte, que vive e avança quando se arrisca, quando transgride, enlouquece e nos mostra, inclusive, as imperfeições. Esse é um prêmio conquistado por OAEOZ com o sacrifício pessoal de seus integrantes e também de quem os auxiliou nesta empreitada. Eles fizeram arte fugindo da mediocridade. Se eu fosse Nick Hornby, já colocaria este trabalho na lista dos melhores discos do ano, independentes ou não e de qualquer região do planeta - Luiz Claudio Oliveira – site TudoParaná

"A beleza deste trabalho não se limita às melodias e composições, a parte gráfica feita em dig-pack com uma maravilhosa foto do pico do Paraná feita por André Ramiro dá o tema: contrastando o tom escuro das montanhas com o azul do céu e todo o material destinado a divulgação feito em azul remete à tranqüilidade da alma contrastada com a densidade montanhosa da vida!" - Wellington Dias – site Gramophone  

Aqui, Leonardo Vinhas escreve para o Scream Yell sobre o show no OUTS:

Leo Vinhas, aliás, jornalista de Taubaté que conheci primeiro lendo seus textos no Scream Yell e depois nos foi apresentado pessoalmente pelo parceiro Rubens K foi umas amizades que a gente acabou fazendo a partir da música. Foi ela que nos aproximou – no que eu sou muito grato, pois se trata de um cara com grande sensibilidade e talento. Por isso, não poderia ter pessoa melhor pra escrever sobre os dez anos de “Às vezes céu”, como você pode conferir no texto abaixo.

'“Às Vezes, Céu” me ajudou a ser quem eu sou hoje'


















Dez anos atrás, ouvi alguém me dizer, bem alto e na cara, que “lembranças não  valem nada”. Com um atraso de uns tantos bons anos, eu estava começando a sair da meninice para (tentar) virar adulto, e por uma série de acontecimentos espiralados demais para relatar aqui, acabei indo parar em Curitiba, onde tomei esse e outros tapas na cara. Era janeiro de 2005.

Agora é maio de 2015. Alguns planos daquela época deram certo, outros nem passaram perto disso, mas o disco continua ali. Música tem disso: você vai embora e ela fica, e no seu formato físico ela é praticamente uma fotografia: do artista que a gravou e da pessoa que você era quando a escutou.

Não dá para falar do que é “Às Vezes, Céu” hoje sem eu falar sobre o que sobrou de mim. Mas para isso, eu tenho que recolher algumas lembranças, e justamente essas, a canção de abertura do disco me ensinou, não valem nada. Mas fucemos no lixo mesmo assim.
Eu era um nostálgico crônico, enfermo da vontade de congelar o momento bom e, claro, não conseguindo, acabava por viver preso ao passado. Era mais medo do que vinha pela frente do que apreço pelo que já tinha passado.

Talvez por isso, passei muito tempo depois daquele janeiro pensando no que aquela canção significava. Os gritos do Ivan naquele que é provavelmente seu vocal mais sincero e a hipnose daquele trecho instrumental (é coisa do Ramiro aquilo?) me intimavam a levar aquela musica para dentro de mim e me questionar. E dentro de mim, desculpem a pretensão, estava o futuro, ou melhor, um presente que eu ainda não era capaz de viver, e que também estava anunciado no disco, em letras como “Dizem”, “Dias Tortos” e, mais que todas, “Horizontes”. Um presente de abandonar-se a mim mesmo e deixar que as veleidades convivessem mais em paz com as decisões racionais, que significasse ir para frente desde que eu pudesse, em algum momento, voltar para casa.

A casa, desde aquele janeiro, era Curitiba, uma cidade onde só viria a residir anos depois, e não por mais que alguns meses. Mas já era meu lar, só estava à espera que eu reconhecesse isso. Se assim não fosse, como explicar eu andar pelo Centro encontrando o que eu queria e precisava sem jamais ter estado lá? Como justificar a familiaridade que eu sentia num passeio a pé pela Mariano Torres ou numa volta de carro pela Mateus Leme, das Mercês ao Abranches? Reconhecer-me na beleza que teimava em ser suja ali no Passeio Público, engolir a beleza da solidão num copo de chopp preto na XV ou celebrar o encontro não-planejado com um amigo no Largo da Ordem – essa era minha Curitiba. Minha casa.

E só ali podia ter nascido “Às Vezes, Céu” – aliás, título que descreve com exatidão a experiência musical d’OAEOZ ao vivo e a vida diária na capital das araucárias. Porque, descobri logo, OAEOZ era muito melhor ao vivo, mesmo ensaiando tão pouco. Porque o ouvido foi ficando mais exigente, e entendendo que a mixagem do disco não era boa (embora fosse, sim, a melhor possível). Porque Curitiba podia te dar alguns dias bem filhos-da-puta, indiferente ao amor que você tivesse por ela. Porque ia ter horas que aquela música ia mexer em coisas que iam doer. Então, estava claro que tudo aquilo – a cidade, as canções, a solidão – nem sempre seria o paraíso. Mas às vezes...

Essas vezes se tornaram mais frequentes, conforme fui criando mais meios de ir para aquela Curitiba física e também para aquele “dentro de mim” do qual eu falava lá atrás. A essas tantas, fui ouvindo menos o disco. Muita música veio depois dele, obviamente, inclusive feita pelos integrantes da banda em outros projetos, alguns dos quais tiveram seu impacto em mim.

Mas não é por isso que eu ouvia menos o começo disso tudo. É que eu fui me distanciando cada vez mais do eu que ouviu aquele disco em 2005 e a foto foi se tornando incômoda. Exatamente por isso, cada audição se tornou mais potente. E cada nova sessão era algo de parar e escutar. Jamais voltei a colocar aquele disco como “pano de fundo” para o que quer que fosse.

“Às Vezes, Céu” me ensinou a não olhar para o passado. De verdade. Aprende-se muito com um disco quando ele vem na hora certa. Ensinou-me sobre música também – não só o lado emocional de uma canção, mas composição, letra, arranjo. Pensei e conversei e pesquisei muito sobre esse disco (e não acho que o Ivan e o Carlão se lembrem de metade desses papos), porque eu precisava entendê-lo. Saber por que o álbum batia tanto, por que suas imperfeições eram mais atraentes que seus (muitos) acertos.

Não tenho uma resposta acadêmica para nada disso, não, mas tudo resultou numa resposta, que agora é parte indissociável do meu presente. Ou seja, um jeito enrolado de dizer que “Às Vezes, Céu” me ajudou a ser quem eu sou hoje. E olha, eu gosto, viu? Porque hoje “a vida é fácil” mesmo eu ainda sendo complicado, e já não me enrosco mais tanto em dias tortos (melhor, por vezes sou eu quem entorto os dias). E porque hoje “o peso que carrego nos ombros é só bagagem”.

É só bagagem, sim. E lá, entulhado entre umas camisetas de banda, camisas sociais, livros bacanas, fotos de gente querida e um ou outro objeto inominável, tem aquele exemplar meio amassado de “Às Vezes, Céu”.

Leonardo Vinhas

CARTA AO IVAN


Tive medo de ouvir “às vezes céu”.
Esse pedaço da tua vida, da vida de vocês, da minha vida, recebi com a carta de 19 de outubro de 2004. Escrevo só hoje, dia 13 de janeiro de 2005, às 23h37min. Se não me tivesse pego no telefonema daquela manhã seguinte de ressaca, talvez estivesse fugindo ainda. Pois escrevo então para me desculpar por não conseguir escrever. Não tenho distanciamento nenhum. E qualquer parâmetro só consigo traçar com minha megalomania. A primeira vez que ouvi o cd um tsunami de lembranças me lavou. E “lembranças não valem nada...”, tu disse. Mas meus olhos transbordaram de leve, orgulhoso. E consegui ver um pouco além mim. Pensar nas plantas que não cuido. Voltar a gostar de música. Me empolgar numa noite sem coca... aquele que “não compra tantas brigas, não sorri como sorria”, como disse eu... pelo menos riu sozinho em “um momento suspenso no tempo.. um olhar que escapa num segundo, esconde nossas histórias, a vontade e a coragem de se entregar”, como tu disse.
“Alguns dizem que tenho talento pra melancolia”, tu também disse. Mas saber-se diferente mas igual ao que se sabe que é o que se deve ser pra ser a si próprio é um alívio. E “às vezes céu” me deu esse abraço. “E sempre tem alguém te tentando te botar pra baixo... mas quando a gente fecha a porta e tudo fica lá fora: tudo parece simples, tudo parece certo”, tu disse. Nem um Don não tem dúvidas. Sabes por ti, acho. “Não acredito em quem diz não sentir medo”, tu disse.
Precisamos de algum contato. “Não somos só nós”, eu disse. E ouvir o disco me fez conectado com algo, me fez confirmar que a arte é vida, não é só um canal, um meio, um estilo, uma fuga ou um refúgio. Ter convivido um pouco contigo e depois ouvir o trabalho pronto me tirou qualquer dúvida sobre a teoria de que esses mundos que criamos é que são a expressão do que acontece por aí. Esses paraísos e infernos não-rebaixados, marginais... esses documentos que deixamos sob uma ótica não comprometida com a sobrevivência... são a história. Quem poderia contá-la por nós?
E “às vezes céu” é um livro, a biografia de um híbrido de alguém que se pareceria com nós todos, um pouco de cada... “a gente faz um mundo só pra gente”, tu disse. Só que “ao abrir os olhos de manhã meu mundo desapareceu”, tu disse também. E “às vezes céu” me fez perder algum tempo falando sozinho, preenchendo o que era o vazio aluguel entre meu abrir e fechar de olhos. E o dia não passou tão rápido... e tudo por não se sentir só. E aquele que achava não precisar de uma confirmação sobre si mesmo sorriu ao recebê-la de quem admira. Não numa encomenda, mas num símbolo __ construído antes e depois __ de uma vida de semelhantes sonhos reais. Onde se dá, a toda essa doação, valor. Diferente dos mergulhos ali, logo além da “distância que dura mais ou menos dois copos” onde “depois me solto e sou capaz de ir pra casa mais próxima, com quem quer que seja, em busca de um pouco mais”.
Gosto muito de “às vezes céu”, como gosto de ti. És um artista que respeito. És um dos únicos artistas brasileiros dos quais não tenho vergonha, pena ou desprezo. Daí espero que tenhas consideração por esse desabafo e esse pedido de desculpas por não mandar para ti uma resenha tradicional __ como, talvez, esperavas. “E agora sozinho, sou apenas mais um cara, o papel em branco, a caneta, um cigarro, um trago... não existe fim”, tu disse.
É isso? E minha cabeça está virada. Queremos ter um filho. “Já faz algum tempo que eu sai de casa”, tu disse. Mas, cara, que letras...
E parabéns pelo bom gosto de todos na tradução dessas poesias para as canções. Grandes simples arranjos. Deixo uma pra ti, feita nos dias depois de ouvir “às vezes céu”:

“Sobrenome
Meu sobrenome é talvez
é esquecimento
é nunca foi
é poderia ter sido
e eu aqui
nem lembro a idade que tenho
nada mais pra dizer
desapaixonado
mal-agradecido com o que é e onde está
sonhavas com menos, lembra?
e o que queríamos ontem
estava lá
mas já não era o suficiente, lembra?
rir
do que?
Embarco em outra viagem do ego
se não sou quem pensava que fosse
quem é?”

Um abraço pra ti, amigo Ivan, outro para a amiga Adri, e também para
os amigos Rodrigo, Carlão, Camarão e André. “A dor e a verdade num
riso contigo... a cumplicidade... um mar dividido...”, tu disse.
A minha verdade também não me ajuda. Mas isso é bênção, acho. Tu sabe.
E sei que me perdoas. Até.


Rafael Martinelli 
(texto incluído no press-kit de divulgação do CD "Às vezes céu", escrito pelo vocalista da banda Deus e o Diabo (RS), hoje atuando na banda EX)

5/26/2015

Algumas canções tem o poder de me transportar para mim mesma. A guria perdida no tempo e a que segue por perto, mas precisa de uns chacoalhões, de vez enquando. Não me peça pra explicar como ou o porquê . Não saberia dizer, na maioria dos casos. Em outros, lembro, sinto tudo de novo, tudo o que ela provocou, tudo que ela remexeu, tudo que ela me fez chorar e rir. Me vejo nas entrelinhas, e até no que não foi cantado. Acrescento a elas o que sou, também!

 E quando ergo o volume pra ouvir, outra vez, aquela canção que se tornou um pouco de mim, pois carrega alguns pedaços meus, me sinto renascer, me sinto revivendo. Me sinto viva de um jeito  estonteante, hipnótico que me suga as forças e obriga a parar e sentar um pouco. Tantas vezes me empurram, essas canções, para uma caneta e um pedaço de papel, me acordam no meio da noite ou mantém meus olhos abertos .

Algumas delas me fazem lembrar de mim, do que passou rápido demais, dos meus pedaços deixados pelos cantos, por vontade, ou por não me dar conta. ou pela pressa! Me reencontro e me perco nas palavras cantadas e me deixo embalar, enlevada pela conversa que me faz voar alto e acreditar que não foi em vão se entregar desse jeito. Tenho vontade de abraçar de novo, ao primeiro sinal do piano e do cielo; e viver, não o mesmo outra vez, mas o que está por vir com a mesma intensidade, apesar do tempo que passou. Não quero deixar o mundo lá fora, também não quero deixar entrar... a vida não é fácil, vejo agora, mas eu gosto dela. Ainda mais! E as canções são aquele morango vermelhinho em cima, os pedaços de amora tiradas do pé; o pão caseiro amassado pelas minhas mãos trêmulas e até mesmo o prato que queimou por um descuido - não raras vezes provocado por elas, as canções!  Não tem mais os sulcos dos discos, não tem mais os lados pra virar, mas tem as marcas do mesmo jeito. E mais fortes ainda, porque parte delas foi erguida com aquele violão do canto da sala; aquele que sempre que soa faz meu coração bater muito mais forte.  Meus pedaços e de meus amigos, meus amores, rasgados no meio das cobertas e de dias que não voltam, mas nunca saíram de perto, vejo claramente. É só assoprar a poeira. É só colocar o disco pra rodar, grande ou pequeno, e este turbilhão volta como um tornado avassalador em dias de céu azul ou cinzas como hoje. Eu gosto de todos. Eu sinto falta de mim quando ouço algumas canções. E isso me assusta. Mas também me acorda!