6/29/2007

Morre-se de Curitiba ?

Dias atrás, lendo o livro (Des)construção da Música na Cultura Paranaense, editado pelo Manoel Neto, encontrei um texto muito interessante, intitulado “Lá vai fandango com tamanco meu sinhô – Curitiba em letra e música”, assinado por Marcelo Sandmann, que trata da cena musical curitibana a partir de meados dos anos 90, fazendo a análise do trabalho de alguns grupos, discos e letras como forma de avaliar as formas de representação de uma identidade cultural curitibana propostas por artistas locais. A parte que me chamou mais atenção foi quando ele faz uma análise/comparação entre uma música chamada “Aroma urbano”, de Hilton Barcelos, Raymundo Rolim e Reinoldo Atem, e o samba “Curitiba”, de Walmor Góes, Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado. A primeira, típica reverência às raízes, mitos e tradições da terra, a segunda, sarcástica e desmistificadora a ponto de vaticinar em sua letra: “Curitiba, Curitiba/você é a única droga/que eu vou admitir/na minha vida”.
Pois bem, a partir daí o Sandmann faz uma análise dessa música do Maxixe que pra mim é uma das coisas mais interessantes e contudentes que eu já li sobre a produção musical de Curitiba, desfazendo e iluminando mitos de uma forma precisa e cuidadosa. Chega a ser assustador a forma como ele compara a trajetória do Leminski e do Marcos Prado com o estereótipo de “destino inescapável” do fracasso que a cidade alimenta. Fiz questão de transcrever abaixo esse trecho. Vale a pena conferir. Poucas vezes vi alguém conseguir definir tão bem o que acontece aqui, ou mesmo o que a gente acha que acontece aqui, porque já se acostumou a repetir um estereótipo de pensamento que de tanto repetido acaba se tornando realidade.

Leiam, comentem e aproveitem e dêem uma olhada no livro, que tem muitos outros textos interessantes

“O samba “Curitiba” está no pólo oposto de “Aroma Urbano”. Contrapõe-se a alguns dos estereótipos oficiais e positivos da cidade, de que a outra canção se mostra tributária. Mas na divertida corrosão, acaba pondo mais um tijolo na construção de uma outra auto-representação que também já vai se tornando uma estereotipia: a da capital provinciana, fechada sobre si mesma, medíocre e mesquinha, consumidora voraz do que vem de fora, sem a contrapartida da criação e envio de bens culturais originais e vigorosos que pudessem interessar e influenciar outras regiões do país. Em suma, um grande centro metropolitano fadado à insignificância e ao fracasso no que toca à produção cultural (e aqui, em específico, à produção de música popular).
Tal era o diagnóstico, por exemplo, de um escritor influente como Paulo Leminski, autor referencial para o grupo de poetas que colabora nas composições do Maxixe Machine/Beijo AA Força. Concisos e provocativos ensaios seus como “Sem Sexo, Neca de Criação” e “Culturitiba”, reunidos no livro Anseios Crípticos, ou passagens das cartas enviadas ao poeta paulistano Régis Bonvicino, reunidas em Emvie meu dicionário, todos textos dos anos 70 e 80, glosam justamente esse mote. O desfecho autodestrutivo da trajetória do escritor (a despeito da projeção nacional que obteve ainda em vida), como a do próprio poeta e letrista Marcos Prado, um dos autores do samba que se está comentando, ilustra tragicamente o que para alguns parece ir se tornando um destino inescapável. Na sugestão e desdobramentos da canção do Maxixe Machine, “morre-se de Curitiba” como se morre de álcool e drogas (ou de tédio, impotência, solidão, frustração, ressentimento, resignação, nas versões individuais de muitos dos que vão sobrevivendo).”


Marcelo Sandmann, trecho do texto “Lá vai fandango com tamanco meu sinhô – Curitiba em letra e música”, do livro (Des)construção da Música na Cultura Paranaense

PS: Só acrescentando e esclarecendo. Como eu disse nos coments, na verdade um dos pontos que mais me chamou a atenção no texto do Sandmann é que ele mostra que essa imagem consensual que se formou em certos círculos, de Curitiba como a capital da indigência e irrelevância artística, onde nada da certo, nada vai pra frente, também é um estereótipo, tanto quanto o da capital modelo. É justamente aí que o texto mostra como a gente acaba muitas vezes sem perceber alimentando e reforçando esse estereótipo, em prejuízo de nós mesmos. Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Nem Curitiba é um deserto cultural onde nada vinga - e a repercussão nacional do trabalho de bandas como o Charme Chulo e o Terminal Guadalupe, para ficar apenas nos exemplos mais óbvios e recentes - comprova isso. Nem é a oitava maravilha do mundo como alguns tentam fazer parecer. O problema é que a gente se acostumou a repetir certas coisas como um mantra, sem parar pra pensar direito nelas. É o velho maniqueísmo de quem só ve as coisas no preto e branco, e não consegue enxergar que entre eles há vários tons de cinza. Enquanto não superarmos esse maniqueísmo, estaremos condenados a caminhar em círculos.

9 comentários:

Anônimo disse...

bacana. em "Teminal Guadalupe", do TG, o Dary tb toca na ferida desta cidade sulista e polaca... abs.

Anônimo disse...

aliás, ta pra baixar, o disco todo, na faixa, só até ás 24 de hj, 29/06. abs.

Anônimo disse...

porra, esqueci do link... são os remédios... hehehe. http://www.screamyell.com.br/

abs

Anônimo disse...

massa. tô sabendo. bem legal.

Anônimo disse...

na verdade o que eu mais gostei no texto do cara é que ele fala que essa história de Curitiba como a capital do fracasso artístico, onde nada da certo, nada vai pra frente, também é um estereótipo, tanto quanto o de capital modelo.

Anônimo disse...

Grande Ivan. Grande Adri. Grande Rubens. Bacana esse post. Mas, se pelo menos todos fizesses mantras como vc disse, a realidade já estaria pelo menos metade positiva...hahahaha...Curitiba é uma baita cidade, só não saca quem não quer. O certo é parar de dar valor àqueles que parecem ser, de algum modo, os formadores de opinião fantasmas. Palmas praqueles que realmente divulgam e fazem algo pela cena. abraços aos amigos queridos! ramiro rumo à amazônia em busca da planta preciosa!

Anônimo disse...

Caros Adriane e Ivan: fico feliz com a leitura e o destaque dado a meu texto e por saber que as coisas que a gente escreve fazem algum sentido coletivamente. Se tiverem um tempinho, dêem uma espiada no meu Criptógrafo Amador. Há lá um poema, "Curitiba 4° C", com uma fisgada crítico-poética que vem bem a propósito. Parabéns pelo blog!
Marcelo Sandmann

Anônimo disse...

Concordo com o Marcelo em sua análise do ambiente nefasto que se criou em Curitiba, mas é sempre bom lembrar que o poema em questão é, principalmente, uma IRONIA e não uma TESE, ou uma autobiografia dos autores. Isso é injusto, pois, até onde eu sei e acompanheir, o Marcos Prado era um cara energético e muito alegre.
Abraços e parabéns.
Daniella Freire

Anônimo disse...

De fato! Aos artistas resta plantar sempre , pois nosso samba existe e ainda esta vivo, não vamos parar , vamos seguir em frente e vencer a hipocresia , Curitiba da samba sim.