1/07/2007

Deu na Veja

Da Veja desta semana: (o código de acesso da revista na banca para a matéria é FARO)

Música

A reação roqueira

Brasil afora, surgem novos núcleos de música independente. Contra o axé, o forró e o calipso

Sérgio Martins


Fotos Lailson Santos

Terminal Guadalupe: visual de cobrador de ônibus, letras de protesto e guitarras poderosas são as armas do grupo curitibano


Nos últimos quinze anos, Goiânia foi o grande berço da música sertaneja nacional. De lá saíram as quatro duplas mais bem-sucedidas do país – Chrystian & Ralph, Zezé di Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo e Bruno & Marrone. Os goianos têm orgulho de seus sertanejos, e o gênero é quase uma unanimidade no estado. Quase. A existência de uma numerosa dissidência roqueira transparece em festivais como o Goiânia Noise e o Bananada (realizado no mês de maio, durante a temporada de rodeios, por aqueles que desejam "dar uma banana" para os amantes da viola). Goiânia tornou-se, efetivamente, um dos principais centros do rock brasileiro na atualidade. Só não se pode chamá-la de capital porque outras cidades, em outros estados, se mostram igualmente animadas. Bandas de rock promissoras vêm surgindo em Pernambuco, no Paraná ou no Acre – freqüentemente em reação à "hegemonia" de algum gênero popular como o axé ou o forró. E o fenômeno tem outra característica notável: juntamente com as bandas despontam selos independentes, casas de espetáculos e festivais, que fazem com que essas várias cenas roqueiras ganhem um ar duradouro e se sustentem sozinhas, sem precisar, como em outros tempos, do aval do público do Rio de Janeiro ou de São Paulo.
Roqueiro goiano em geral tem cara de mau e faz som pesado. As bandas Mechanics e MQN preenchem à risca esses requisitos. Para os adeptos do estilo punk de dança – que tem um quê de pugilismo –, assistir a uma apresentação desses grupos em Goiânia pode ser uma experiência memorável. Principalmente se for no Martim Cererê, um antigo reservatório de água que nos anos 70 teria sido usado pelos militares como centro de tortura. São dois cones de concreto com arquibancadas de madeira e um palco mambembe. Com alguns poucos intervalos, esse espaço abrigou o Goiânia Noise por uma década. No fim do ano passado, o festival foi transferido para o Centro Cultural Oscar Niemeyer, uma construção que custou 60 milhões de reais. Mas a irreverência roqueira continuou a mesma.
O contraponto mais "doce" ao estilo duro de Mechanics e MQN é oferecido pelo quinteto Valentina. Influenciado pela estética teatral e andrógina do glam rock, o Valentina é alvo de brincadeiras dos roqueiros cascas-grossas. Há dois anos, eles abriram um show da banda inglesa Placebo em Brasília. No fim da apresentação, a secretária de Brian Molko, cantor do Placebo, perguntou qual a marca de delineador que Rodrigo Feoli, vocalista do Valentina, usou nos olhos. "Foi o momento de glória do menino", dizem os músicos do MQN. Apesar das diferenças, não há hostilidade entre os grupos. Ambos lançam discos pela mesma gravadora local, a Monstro. Violins e Réu e Condenado são outros destaques do rock goiano. O primeiro segue a linha de grupos como o inglês Radiohead. Seus fãs são de uma fidelidade canina. Pouco tempo atrás, foi divulgado que eles encerrariam as atividades. Pela reação mostrada em alguns sites, parecia o fim dos Beatles – e os Violins voltaram. Formada por Daniel Drehmer e Francis Leech, a dupla Réu e Condenado satiriza o estilo sertanejo – no nome e no nonsense das letras. "Paulo Eduardo tinha tremedeiras / E não conseguia se pentear / Ah, essa vida me maltrata tanto", cantam em Vida Severina. O pai de Francis Leech é um ex-missionário americano que se envolveu com uma freira goiana – os dois, claro, foram expulsos da Igreja. "O resultado do casamento fui eu, um autêntico anticristo", brinca o músico.

Outro pólo roqueiro é Curitiba, que conta com uma centena de bandas. Uma delas está próxima de estourar. O Terminal Guadalupe é seguidor do rock político dos roqueiros dos anos 80, em especial Legião Urbana. Seus integrantes adoram renegar a fama de "cidade-modelo" ostentada por Curitiba. No palco eles se vestem como cobradores de ônibus – e o nome da banda faz menção a um terminal da cidade que à noite é reduto de punguistas, traficantes e moças de má fama. "Falam tanto do progresso de Curitiba, mas somos o quinto município brasileiro em número de favelas", dispara o vocalista e líder Dary Jr. Bandas políticas sempre correm o risco de cair na pregação, mas o grupo possui uma sonoridade à prova de chatice. Marcha dos Invisíveis, o quarto disco do Terminal Guadalupe, com lançamento previsto para março, tem aquele frescor que o roqueiro Ian McCulloch atribui ao "pop perfeito": canções com apelo comercial, mas longe da banalidade, e um som de guitarra como pouco se ouve no rock brasileiro. Já se formou até mesmo um certo folclore em torno da turma roqueira local. Toda uma família de bandas é composta dos chamados "curitibanos de Manchester" – que, segundo os detratores, teimam em acreditar que o frio de Curitiba basta para aproximá-los de grupos ingleses como Smiths e Oasis.

Desde que a banda pernambucana Chico Science & Nação Zumbi fundiu guitarras de heavy metal com tambores de maracatu, no começo dos anos 90, um dos caminhos para os roqueiros brasileiros é explorar algum ritmo local. O La Pupuña, grupo de Belém, se inspira na guitarrada – uma espécie de parente distante da lambada, que dominou os salões de baile da cidade na década de 70. Wado, um catarinense radicado em Alagoas, também segue uma linha semelhante à de Chico Science. A diferença é que Wado optou pela combinação do samba com elementos eletrônicos. Esse, porém, é apenas um caminho entre outros. Nos novos pólos roqueiros, não há culpa em simplesmente aderir à "linguagem universal" do rock, sem maiores qualificações. Para grupos como Volver e Rádio de Outono, do Recife, e Karine Alexandrino, do Ceará, fazer música é uma maneira de pertencer ao mundo. "Sou roqueiro, canto em inglês e não estou nem aí para o que acontece na MPB", resume o goiano Márcio Jr., do Mechanics.

4 comentários:

Anônimo disse...

Valeu pela força. Segue a luta.

Anônimo disse...

não por isso. um abraço

Leo Vinhas disse...

Cara, muito legal ver o La Pupuña também ser mencionado. É uma banda que poderia cair no mau gosto da "folclorização" que a imprensa gosta de colocar em cima de músicos que trabalham sonoridades alheias ao pop anglo-saxão. E o TG... bem, vocês (Ivan e Adri) me viram no show da banda e sabem o que eu penso.
Só Dary e a rapaziada para dignificarem uma revista como a Veja e um escriba medíocre como o Sérgio Martins.

Anônimo disse...

daí Leo. pois é, ainda não conheço esse La Pupuña, mas já ouvi falar muito bem. abraço