7/30/2015
resto de noite
Sil saiu caminhando na chuva em direção ao portão. Não havia mais nada a dizer, portanto também não havia o que fazer naquela hora. Era melhor mesmo caminhar um pouco e deixar a chuvinha fina que ameaçava engrossar bagunçar as luzes fracas que iluminam o parque. Guardou os óculos no bolso, acendeu um cigarro e tentou puxar o gorro o suficiente pra formar uma aba de proteção. A imagem dele falando coisas que ela não entendia, sobre coisas que não aconteceram, como se mesmo vivendo naquela casa há 10 anos tivessem estado em terras distantes, confundia tudo que acontecera nos últimos 60 minutos.
Sil nem sentiu quando uma pessoa passou a seu lado apressada esbarrando na bolsa onde estava o seu computador, única coisa que pegara ao sair de casa quase correndo. Ao ver a máquina espatifada no chão algo aconteceu e foi como se o mundo tivesse vindo abaixo, num dilúvio de frustração desencadeado por um estalo inesperado!
Largada na nisga calçada deixou o corpo arcar e soluçou, tanto, que se sentiu sem forças até pra levantar. Então, ficou ali. Sozinha no escuro, a chuva colando a roupa no corpo; sentindo a voz e até mesmo os soluços sumirem enquanto a enxurrada deixava só aquele frio gelado.
Do mesmo jeito que veio, a tempestade foi embora. E ela recomeçou os passos vagarosos de onde parou. Meia volta lenta observando a água correr pelos cantos da ruela de paralelepípedo, marrom, grossa... naquela água suja da chuva, formando minúsculas ondas, deixou correr junto toda aquela confusão de pensamentos e simplesmente seguiu até o fim da rua. Sil estava sem um pingo de vontade de existir, naquele resto de noite.
7/23/2015
Quatro bandas e um objetivo: Salve o 92Graus!
No próximo sábado, 25, quatro bandas sobem ao palco do 92 Graus para uma série de shows com o objetivo de levantar verba para compra do imóvel onde está hoje histórico bar. Imof, Freefall, Black Pipe e Garden of the Eatingtapes se juntam à campanha “Espaço Cultural 92 Graus, o show não pode parar”, que inclui um financiamento coletivo com contribuições a partir de R$ 20. No sábado a casa abre às 21h e os shows iniciam às 22h. O ingresso custa R$10.
Para incentivar as doações, foram montados diversos kits que trazem desde um cartão postal e um certificado digital até uma coleção dos compactos lançados pelo selo Bloody Records, criado por J.R. Ferreira na década de 1990, e uma carteira vitalícia de sócio livre de entrada em qualquer show do 92 Graus. Depoimentos de músicos brasileiros e estrangeiros se juntam às performances de bandas locais nessa empreitada em prol do principal ícone da música autoral contemporânea da capital paranaense.
Há 24 anos o 92 Graus é um dos mais importantes palcos da música independente brasileira. Neste período mudou de endereços algumas vezes, mas nunca fechou as portas para as novas formações que sempre encontraram guarida sob os cuidados de JR Ferreira e sua incansável equipe. Praticamente toda geração 90 da música alternativa brasileira passou por este palco. Foram mais de dez mil shows com bandas de todas as vertentes, performances que ajudaram a consolidar não apenas Curitiba como uma referência em produção autoral, como também a formação cultural de músicos, produtores e jornalistas que vieram depois.
Para contribuir com a campanha basta acessar: http://www.kickante.com.br/campanhas/espaco-cultural-92o-o-show-nao-pode-parar#
IMOf
Nascida em 2012, a banda Imof, tem em sua formação músicos experientes e com longa história na música alternativa paranaense. Ivan Santos (voz, violão) foi vocalista e compositor da banda OAEOZ, e é um dos criadores do selo De Inverno e do festival Rock de Inverno. Osmário Jr (bateria) integrou as bandas CMU Down, UV Ray, Dive e Sofia; Rodrigo AB (baixo) tocou na Equipe Espacial nos anos 90, entre outros grupos, e Martinuci (guitarra, piano) encabeça o projeto Stilnovisti. Lucas Paixão (guitarra) trabalha com produção musical.
O primeiro lançamento da Imof foi o single “Um silêncio novo na casa”, de 2012, com três faixas, pelo selo De Inverno. Em 2013, a música ganhou um clip editado a partir de vídeos caseiros de bichos de estimação enviados por internautas, fãs e amigos. O single e o clip foram destaque em diversos veículos de comunicação, e foi veiculado pela TVs Educativa, ÓTV, além de recebido boas críticas no jornal Gazeta do Povo, e sites como o Scream Yell. Em novembro passado, o segundo single, “Chuva”, foi disponibilizado para download gratuito no blog da De Inverno através do "Pague com um Tweet", um sistema de pagamento social, que troca downloads por divulgação nas redes sociais. O lançamento também rendeu ainda um show no lendário Teatro Paiol, de Curitiba, com a participação de Fábio Elias, guitarrista e vocalista da Relespública, e Igor Ribeiro (Iris, Humanish).
O single também recebeu boas críticas. “‘Chuva’ é uma balada pop e melancólica com alma roqueira, em cuja letra há tanto aceitação quanto cumplicidade”, escreveu o jornalista Cristiano Castilho, do blog “Pista Um”, da Gazeta do Povo. E o show no Paiol motivou um especial na ÓTV dentro do programa “Tubo de som”. A música também foi relacionada como um dos melhores lançamentos nacionais pelos blogs “Pergunte ao Pop”, editado pelo jornalista Bruno Capelas (RJ), e El Cabong, do jornalista Luciano Matos (Salvador/BA). Em maio de 2014, a Imof lançou o vídeo de uma música inédita, "Sem acreditar", gravado em show no teatro Paiol, em novembro passado, com a participação de Fábio Elias (Relespública), na guitarra. A música faz parte de um novo EP que a banda prepara para este ano.
FREEFALL
Unida pela paixão ao rock'n'roll britânico, a banda nasceu em 2013, com Beto Reis e Ale D, e com a disposição de elaborar músicas próprias inspirada nas bandas britânicas favoritas do duo, como Beatles, Stones, Led Zeppelin, The Who, T.Rex, Oasis, The Verve, Radiohead, Stone Roses, The Jam. Em seguida, Bob, antigo parceiro de Beto, assumiu a guitarra base, trazendo sua influência do rock americano. Por fim, Johnny assumiu o baixo no fim de 2014 e trouxe junto suas referências do rock dos anos 60/70, completando a formação que sobe ao palco do 92. O resultado dessa combinação é um rock’n’roll vigoroso e visceral, que vem recebendo elogios da crítica especializada. Em 2015, a banda ficou entre as 50 bandas selecionadas para disputar tocar na abertura do festival Lollapalooza Brasil 2015.
BlackPipe
A sonoridade da Black Pipe mostra a influência do "rock inglês - britrock” nas letras, na atitude e na estética visual, tudo temperado pelo som característico do rock sulista. A dedicação da banda para atingir a melhor qualidade sonora poderá ser conferida em breve com o lançamento do primeiro EP, “Vizinho Irlandês”. Com as músicas "Boa Noite" e "Chá no Trem" , o disco foi masterizado em Londres no mítico estúdio Abbey Road pelos lendários produtores musicais Simons Gibson (Bealtes, Sting, Paul Mccartney) e Alex Warthon (My Bloody Valentine, The Breeders, The Strypes). Em 2014, as duas faixas ganharam clipes. “Chá no Trem” tem imagens gravadas na Inglaterra, Escócia e Alemanha, além de cenas filmadas em Curitiba. Os dois vídeos tiveram boa repercussão e receptividade. Este ano, a banda lançou mais dois vídeos: “Hey” e “Vizinho Irlandês”.
Garden of the Eatingtapes
A Garden of the Eatingtapes é um power trio de rocknroll cru e true, formado no final de 2013 por Tiago Oliveira (Vocais/Guitarra), Felipe Hotz (Baixo) e Kiko Sousa (Bateria). A proposta é fazer um som orgânico, criando um ambiente musical onde o fator humano da música se faz presente em todos os momentos. Em agosto de 2014 a Garden lançou o seu primeiro álbum, "Twist of Fate", composto de 12 músicas que exploram as mais diversas sonoridades que uma banda de rock pode ter.
Serviço:
O que: shows das bandas Garden Of The Eatingtapes, Imof, Freefall e Black Pipe. Campanha: “Espaço Cultural 92 Graus, o show não pode parar”.
Quando: 25/07/2015, a partir das 21h.
Quanto: R$10.
Onde: 92 Graus (Av. Manoel Ribas, 108).
Informações e Reservas: 41.9919-1492
Informações para imprensa:
De Inverno Comunicação
Adriane Perin
41 9902-1814
7/15/2015
No estúdio com Stilnovisti
Em novembro, eles ocupam o palco
do Teatro Paiol para momentos, por certo, especiais: o lançamento do primeiro
álbum da banda Stilnovisti. Até lá, a rotina é de criação, entre estudos de
possibilidades musicais, ensaios, na Casa do Rock, e de gravação, no Gramophone.
Daqui a 4 meses será a hora de mostrar o
resultado de um árduo trabalho e dedicação, no projeto batizado de Stilnovisti: Canção Com Palavras.
Eles são:
Martinuci - voz, piano, guitarra
Luís Bourscheidt - bateria, percussão e voz
Jorge Falcon - guitarra, violão, voz
Fábio Abu-Jamra - guitarra, violão, voz
Gustavo Slomp - baixo acústico e elétrico.
Projeto de Martinuci, poucos ensaios bastaram para que ele, Bourscheidt, Falcon, Abu-Jamra e Slomp, e convidados, afinassem o repertório, sob os ouvidos atentos de Jorge, que faz as vezes de maestro – missão dividida com todos, na verdade, já que as trocas de ideias são constantes. Martinuci, notei, fica mais calado ouvindo o que os outros sugerem, às voltas, muitas vezes, com a tecnologia, fios, teclas, cabos. Entretanto, levam a assinatura dele as partituras com as melodias e as harmonias. Houve também um pequeno período de pré-produção, compartilhada com Jorge Falcon, com foco nas composições mais recentes de Martinuci. E se poucos ensaios foram suficientes, é porque dos cinco músicos, quatro deles já estão trabalhando no projeto desde 2011, tempo suficiente para ver que a química está funcionando. E o baixista Gustavo Slomp também já tocou com o Stilnovisti, portanto também já conhece boa parte do repertório que será gravado. No dia 7 de julho, o quinteto fez
o último ensaio geral, antes das decisivas horas de estúdio do projeto, que
conta com o apoio do Mecenato da Prefeitura Municipal de Curitiba e patrocínio
do Banco do Brasil e Volvo.
É sempre interessante observar
este processo de perto. Algumas canções são conhecidas e ganham agora um novo registro
sonoro, na busca incessante por gravações definitivas (se é que elas existem,
diriam alguns, inclusive eu!) desta safra de canções nascidas com Martinuci ao longo dos
últimos 15 anos.
“Canções que não foram gravadas
anteriormente, ou seja, inéditas. Algumas já foram apresentadas ao vivo, mas quatro
foram compostas recentemente: Sweet Flower, O Que Nem Sei (milonga), Cem Dias
de Espera e Mikrokosmos. Duas canções tiveram profundas alterações: Zumzumzum e
Os Rios. Duas canções são poemas de Paulo Leminski - Um Deus Também é o Vento e
Zumzumzum; uma outra, Francesinha, era uma valsa para piano que ganhou letra da
poetisa paranaense Neuzza Pinheiro (parceira de Arrigo Barnabé, Itamar
Assumpção e Grupo Fato, entre outros).”
Muito curiosa para ouvir esta nova versão, já que a anterior, como vocês
podem ver no link acima,é muito linda!
Embora o
projeto Stilnovisti tenha nascido da
iniciativa individual de Martinuci, ao longo dessa caminhada ele foi
agregando parceiros musicais. Ao todo, serão cerca de 35 músicos envolvidos diretamente, numa soma total de 50 pessoas, que inclui produtores e técnicos.
“Participações especiais: André Deschamps (sax soprano) - Guilherme
Romanelli (volino) - Cristiane Serkes (soprano lírica) - Madrigal da UFPR e
Maestro Alvaro Nadolny. (haverá ainda um músico argentino que vai gravar um
bandoneon, mas não sei o nome dele...). O quarteto de cordas será formado
por músicos da Camerata Antiqua de Curitiba e Guilherme Romanelli.”
Sete caras e seus instrumentos
num espaço de poucos metros quadrados. Paredes cobertas de cartazes, guitarras,
cases e outros detalhes que contam histórias recentes e mais antigas. É a Casa
do Rock, estúdio simpático na vizinhança do Largo da Ordem, numa terça-feira chuvosa;
10 da matina. Metade dos músicos já aguardava a abertura da portão quando
cheguei. Logo, todos estão a postos e o café na padoca fica pra outro dia. O clima é bem tranquilo entre o quinteto que
já se conhece de longa data. O primeiro convidado do dia, André Deschamps, com seu sax soprano, já está a postos também.
Falcon chega um pouco depois para
dar seus pitacos, poucos, na real. A verdade é que eles já estão com tudo
encaminhado pra iniciar a gravação no dia seguinte.
Enquanto eles se viram com a arrumação dos instrumentos, fico
observando, escolhendo melhor lugar pras fotos, testando possibilidades de
gravação de um áudio para ilustrar. Não conheço a acústica do lugar, vamos ver
como fica. Pescando palavras no ar e tentando não atrapalhar.
Conseguir fotografar todos juntos é sempre
um grande problemas em estúdio, o batera tá sempre lá num canto, separado...
rsrsrs. Salve a estratégica escada da Casa do Rock.
Depois de tudo montado,
instrumentos ligados, acertos e mudanças de tom acontecem entre conversas de
sustenidos, busca de afinações e belas melodias para acordar um dia que segue
indeciso lá fora. Ali dentro o tempo passa em ritmo diferente.
Instantes ímpares pra mim, estes em que
consigo esquecer o mundo lá fora... e quase só acontecem com música e livros.

Nada, é uma trabalheira danada e se não
tomar cuidado não sai do estúdio de ensaio, porque estes caras estão sempre
querendo algo a mais que está logo ali na frente, embora nem eles saibam bem o
que é. Me parece.
Mas, tem-se a impressão de que tudo é tão corriqueiro para eles, neste longo percurso de uma canção até chegar ao seu destino: o público.
É o ‘trabalho’ dos caras – e eles o
fazem com a tranquilidade de quem domina seu ofício, mas quer mais. Para mim, definitivamente, é encantador
observar do meu canto os movimentos de cada um nessa busca por “outras cores”
para a música. A procura pela faceta musical de cada um que converse com aquela
canção do Stilnovisti.

Cada um tem seu jeito de desvendar (ou ao menos tentar) o grande mistério de manter
uma banda. Mas o que é esse poderoso mistério senão encontrar aquele espaço, a
intersecção que passa por todos, naquela canção?
Nesta busca, às vezes o som
‘gordo’ do baixo acústico fica melhor; noutras, o contrabaixo elétrico é quem
dá o tom. É o conjunto da obra se erguendo diante dos meus olhos. E pequenas pérolas que ficam por alí, na Casa do Rock, no Gramophone, marcando ainda mais suas paredes com mais melodias,
musas invisíveis a inspirar (e inspiradas) até (em) quem não tem ideia.
Entre o quebrar de andamentos, o não dobrar de viradas, tudo e mais é possível, agora.
Mas, é preciso foco – afinal não é todo o tempo do mundo que se tem
agora.
E a gente vai vendo/ouvindo altas
horas passarem sem sentir, todos mergulhados nos sons, todos prontos para ouvir
e criar, juntos. Descalços, de certa forma, tateando sons em certa medida para encontrar
os “nossos” neste momento; para encontrar os instantes musicais que ninguém
espera!
Stilnovisti, por ora, encontrou
os seus. Ou, os seus, por ora, os encontraram. Outros virão e é possível ainda
que no palco do Paiol, em novembro, outros sons já tenham brotado, depois de
tudo pronto e gravado. Essa é a magia de
acompanhar uma banda. Tudo pode acontecer, mesmo depois que vc acha que já tá
tudo pronto. E será então, outro momento único, o que veremos e viveremos entre
as paredes do Paiol da música. Porque a música é viva, apurada nesta constante
inquietação tentando dizer o que nós, pobres humanos, às vezes nem sabemos. Ela cutucando dentro da gente para no final deixar a vista um
pouco do que são e fazem estes caras iluminados pelo colorido das luzes do palco e pelos sons que estão por aí, prontos para serem abraçados.
7/02/2015
Rock de Inverno - 15 anos
É muito legal voltar a ouvir uma canção e reviver tudo – ou o que a memória permite! Não raras vezes essas canções cantam também os pedaços da vida de quem a ouve. Comigo é assim, quase sempre. Uma canção antiga é capaz de trazer cenas, lembranças, pessoas, pendengas, empreitadas boas, amigos, amigas, amores...
Por isso, mais uma vez
bastou ouvir os primeiros acordes de Filme, do Cores d Flores para que meu ser
inteirinho reagisse. Quando entrou “De Inverno”, d’OAEOZ, me toquei que estava
ouvindo a coletânea Rock de Inverno – Mostra da Nova Música Independente de
Curitiba. OAEOZ do tempo do Igor... aquele menino que um dia o Daniel levou lá
em casa e que se transformou no parceiro musical primeiro do Ivan, que o
apresentou ao Rubens... enfim. (eu avisei que é só ouvir que as histórias vão
voltando).

No palco, Faus (banda do Coelio), Plêiade
(‘retornando’), Zigurate, Loaded, OAEOZ (que acabou tocando na sexta), Cores d
Flores, Madeixas, Quisto (depois Loxoscelle) e Zeitgeist co. Na plateia, muita
gente, entre os quais, Carlota Cafieiro, jornalista do Correio do Povo, de
Campinas, repórter do Alexandre Matias; e ele, o figuraça, uma atração à parte, o músico e, na época, jornalista da Bizz, que acabou escrevendo sobre o festival para o Estadão: Minho K!
Na produção eu e Ivan,
com Mackoy ajudando no som, Marcelo
Borges nas imagens e meus pais recebendo os jornalistas convidados, levando os
dois para almoçar, enfim, fazendo as honras da casa enquanto eu e Ivan estamos
nos respectivos jornais em que trabalhávamos (Gazeta do Povo e Jornal do
Estado). Lembro bem da ansiedade!!

A De Inverno nascia ali, antes mesmo de ter ciência disso. Nossa vontade era muito simples: mostrar para o Brasil essa nova geração da música curitibana, pós “Seattle brasileira”, nascida em meados dos anos 90 em diante com canções em bom português. Mais ou menos na mesma época o Ivan preparou um kit sobre essas e muitas outras bandas da época e enviamos para jornalistas-chave. A gente não tinha dúvida da qualidade dessa nova safra e sabia que, se queríamos que o resto do mundo soubesse, alguém tinha que fazer alguma coisa. Uma das ações – além de organizar um festival bacana, com estrutura bacana, pensando nos artistas e na qualidade do equipamento de som – foi convidar jornalistas de veículos importantes para virem cobrir - leia-se bancar todos os custos da viagem e estadia. Outra estratégia era ter bandas de outras cidades, também das novas cenas, para assim completar nossa proposta de “inserir essa nova geração curitibana na nova cena nacional”, o que fizemos a partir da terceira edição.

A De Inverno nascia ali, antes mesmo de ter ciência disso. Nossa vontade era muito simples: mostrar para o Brasil essa nova geração da música curitibana, pós “Seattle brasileira”, nascida em meados dos anos 90 em diante com canções em bom português. Mais ou menos na mesma época o Ivan preparou um kit sobre essas e muitas outras bandas da época e enviamos para jornalistas-chave. A gente não tinha dúvida da qualidade dessa nova safra e sabia que, se queríamos que o resto do mundo soubesse, alguém tinha que fazer alguma coisa. Uma das ações – além de organizar um festival bacana, com estrutura bacana, pensando nos artistas e na qualidade do equipamento de som – foi convidar jornalistas de veículos importantes para virem cobrir - leia-se bancar todos os custos da viagem e estadia. Outra estratégia era ter bandas de outras cidades, também das novas cenas, para assim completar nossa proposta de “inserir essa nova geração curitibana na nova cena nacional”, o que fizemos a partir da terceira edição.
Lá fui eu toda
confiante como projeto na mão caprichado
bater na porta de algumas empresas. Lembro muito da Cini, acho que
foi para quem mais liguei. Em uma tarde, lembro até o telefone público (hoje inexistente, claro) do qual falei com o Ivan, à beira das lágrimas porque não
me conformava: “como as pessoas podem não querer apoiar um projeto legal como
este?”. É, eu achava tão improvável isso na época. Sonhadora, iludida!
Hahahaha. Enfim, não rolou apoio e fizemos com nossos salários mesmo! Pois é, vale sim ser sonhadora e iludida, às
vezes!
A casa cheia nas três
noites foi algo incrível. Ao tentar voltar pra frente do palco no show da
Plêiade uns engraçadinhos quiseram não me deixar passar... tá bom! Claro que
eu ri e disse que era para ele me agradecer ao invés de me barrar e fui para o meu lugar preferido!
De outras cenas que não
esqueço Minho K é a estrela. Ele e
seu indefectível chapéu. Lá pelas tantas, em algum dia, estava o jornalista
estirado no chão, curtindo o som. Completamente tomado pelos
sons das bandas que tanto curtíamos também!
Foi sem palavras, porque além de jornalista ele tocara em
uma banda que eu e Ivan curtíamos há anos, embora pouco conhecida. Um disco que
eu lembro do instante em que peguei nas mãos, com sua capa de vinil linda e
suas canções incríveis. No final, eu e Ivan cantávamos canções do 3 Hombres,
cada um de um lado do Minho K. E ele lá, sem acreditar naqueles dois doidos
chorando de alegria e não acreditando ainda no que tínhamos feito.
Vendo hoje, ainda que tivéssemos feito uma única edição
do Rock de Inverno, aqueles três dias já teriam tornado tudo mais especial.
Mas, não paramos. Veio o segundo, terceiro ( no 92, com 22 jornalistas convidados,
entre os quais MTV, Folha, Estadão, Alto Falante), quarto, quinto (com a atração internacional,
Transcargo), sexto e o sétimo (que trouxe Fellini e fez nossos amigos,
marmanjos chorarem por aquele momento).
Entre erros e acertos, gosto da nossa história, tenho orgulho dela e ela me dá muito alegria ainda hoje.
E aqui, pra relembrar e reviver, o link com a coletânea Rock de Inverno - Mostra da Nova Mùsica Independente de Curitiba.
http://deinvernorecords.bandcamp.com/album/rock-de-inverno-2000
Entre erros e acertos, gosto da nossa história, tenho orgulho dela e ela me dá muito alegria ainda hoje.
E aqui, pra relembrar e reviver, o link com a coletânea Rock de Inverno - Mostra da Nova Mùsica Independente de Curitiba.
http://deinvernorecords.bandcamp.com/album/rock-de-inverno-2000
6/16/2015
"Triste dos que procuram dentro de si respostas porque lá só há espera"
Semana passada, depois de muito tempo, andei bastante de ônibus e o melhor de não estar dirigindo, além de olhar a vida passando na janela, é conseguir ouvir música de verdade. O velho mp3 de guerra estava ao alcance com algumas antigas canções. Não pretendia ouvir apenas uma banda, mas não consegui tirar Blanched Toca Angelopoulos, um disco que continua, dez anos depois, me remexendo de um jeito muito impressionante. Escrevi em vários momentos sobre o quinteto de Novo Hamburgo (RGS), formado por Marcelo Koch (bateria), Priscila Wachs (flauta transversa), Leonardo Fleck (guitarra/voz/baixo), Douglas Dickel (guitarra/acordeon/baixo/voz) e Daniel Galera (baixo/guitarra), em jornal e no blog. Relendo agora, é evidente o impacto da banda em mim.
A banda acabou já faz um tempo, mas, já sabemos, as boas canções não acabam e sempre podemos voltar a elas e encontrar novas sensações ao lado daquelas que ficaram por ali. Coloquei o disco no começo de novo, e de novo. e de novo. "Triste dos que procuram dentro de si respostas porque lá só há espera". A frase não sai de perto. Seus significados ficam inquietando. E, claro, com ela as lembranças do momentos legais e dos não tão legais, também. Eles foram convidados da programação do Rock de Inverno, mas acabaram tocando mesmo na cidade, depois, em um evento da FCC, numa época em que vivíamos de novo (ou acreditamos que vivíamos) a efervescência do início dos anos 90, com vários festivais e eventos focados na música autoral independente acontecendo, com apoio público direto - não atráves das Leis.
Me dei conta de que este disco completou uma década ano passado. E me dei conta, outra vez, que este é um dos discos que mais gosto, mas ouvi-lo, não é para qualquer dia.
Alguns links bons para ouvir e para ler sobre a Blanched, uma banda especial, que me marcou pra sempre.
http://casablanched.blogspot.com.br/
http://www.lastfm.com.br/music/Blanched
"Não é fácil 'resenhar' um disco como o novo EP da gaúcha Blanched. Suas qualidades são do tipo muito pessoais, passionais mesmo, cujo resultado é capaz de despertar sentimentos nunca intermediários: ou se gosta muito, ou se detesta. O quinteto, de Novo Hamburgo, vem trilhando um caminho absolutamente avesso ao que se conhece como rock gaúcho. Climas instrumentais pesados e uso mínimo de palavras cada vez mais tomam conta do som da banda, transformando sentimentos intensos em tramas instrumentais. No disco anterior, as dores de uma história começaram a ser tratadas. Em Blanched Toca Angelopoulos, as feridas não fecharam. Tem a ver com isso a sinceridade e a verdade, torturantes até, das cinco faixas cheias de uma delicada e dolorida beleza, expostas em arranjos minimalistas que se agarram ao máximo nas mais simples notas. O trabalho abre com 'Tristes dos que procuram dentro de si respostas porque lá só há espera', uma porretada cheia de climas quebrados, guitarras limpas e 'noiadas' que parecem escavar fundo nas mais incômodas, contraditórias e doídas sensações humanas. Aqui não existe paz, a missão é remexer. 'Cada um' soa mais suave, com sua flauta serena e a torrente de palavras no fundo, que provocam um efeito de entorpecimento para depois estourar em novo noise. 'Hoje eu tou melhor', 'Um palhaço no campo de concentração' e 'Casa de descanso' completam o disco, mantendo a mistura de delicadeza, dor e beleza. Mas, como é um disco do Blanched, só podia acabar assim: numa catarse de barulho bom que provoca o entorpecimento da embriaguez, um transe que faz a cabeça girar e o ouvinte engolir em seco o silêncio que fica reverberando o barulho quando a música acaba." (Adriane Perin, jornal Gazeta do Povo, PR)
"A Thiane comentou que ficou arrasada com o CD da Blanched e me deu vontade de dizer mais uma coisa sobre este disco e sobre outros sons nessa linha. As pessoas comentam que é triste, e é. Mas o que provocam em mim não é de jeito nenhum a tristeza da depressão, a tristeza que dá vontade de se trancar num buraco e não olhar mais o dia. Eu não sei explicar direito o que Blanched provoca em mim, mas, com certeza, não é puxar para baixo, nunca. Me alimentam, estes sons. Me dão vontade de fazer mais e mais coisas legais. Me dão vontade viver de um jeito muito vivo. Me mostram que se eu não fizer, vai ficar sem fazer. Não me empurram para a imobilidade nostálgica de uma saudade de algo que não tenho. Ao contrário. Parece que me trazem forças para encarar outro dia, de trabalho, de existência, para correr atrás de patrocínio para o Rock De Inverno, de fazer um jornalismo minimamente decente. Porque é, também, para essas pessoas que eu faço jornalismo, o Rock De Inverno, a De Inverno. Me parece que tem alguma relação com o que sinto com o frio. Estava pensando nisso hoje, indo, caminhando às 8 da manhã para o trabalho, ouvindo Blanched e OAEOZ, no fone. O frio, que todos ao meu redor detestam, me faz sentir mais viva. Quando ele bate no meu rosto, cortando, gelado, de alguma maneira me desperta, me alerta que não tem outro jeito de viver o dia, senão com muita, muita intensidade. Como se não tivesse mais nenhuma alternativa, mesmo. E não há, para mim, não há. Eu sinto coisas gritando tão alto dentro de mim." (Adriane Perin, jornalista e produtora, PR)
"Ouvi ontem à noite o novo EP da Blanched, Blanched Toca Angelopoulos. Estou meio zonza até agora, quando começo a ouvi-lo novamente, pela segunda vez, de manhã, 9 horas, para começar mais um dia de trabalho. Fui dormir pensando nas melodias. Acordei pensando em ouvir o disco novamente. É gostar de uma banda de um jeito que não é só o mero gostar, por gostar. É ser pego de jeito por sons que desmontam mesmo. E aí, depois, do primeiro disco que derrubou, vem o outro. Quando ouvi a primeira faixa, ontem à noite, não lembrei dela do show que vi no Motorrad. Quando ouvi hoje, lembrei claramente que, mesmo não entendendo direito as palavras, naquela noite de um final de semana tão longo e cheio de alegrias especiais e extremamente doloridas. A canção me acertou em cheio. E agora, pela manhã, voltou todo o impacto entorpecente daquela primeira audição. Me vejo de boca aberta, balançando o corpo, olhos fechados naquela escuridão de fumaça. Eu estou até meio que sem saber o que dizer sobre este disco, lindo, triste, carregado, minimalista que deixou quase totalmente de lado as palavras, que é algo que sempre me pega. Na segunda música, 'Cada Um', aquela flauta me lembrou logo de cara Mercury Rev. E a voz que fica no fundo falando e falando. É um disco que exige silêncio, para o levar por um escuro do quarto, mas que traz sensaçães tão boas, também vontades tão boas, tão quentes, de abraçar, de beijar, de chorar, de dizer coisas que estavam para serem ditas fazia tempo. As melhores coisas são ditas no silêncio. No silêncio de um quarto, sem uma palavra, quando as respiraçôes ficam ansiosas. No silêncio de um walkman que leva para longe o que não se quer ouvir e deixa só o que escolhemos para uma manhã nublada - mas não tão fria quanto se pensou que seria. Os climas. O que mais dizer da Blanched? Os climas que eles criam esticando as notas ao máximo e que, parece, nos esticam junto. Essa guitarra que parece colocar uma furadeira dentro da minha cabeça. Outra rasteira. O olhar perdido em algum ponto que ninguém sabe onde está. Eu continuo não sabendo direito o que dizer. Mas sou impulsionada a ouvi-lo e ouvi-lo, como que para conseguir sacar algo que está lá e não consegui pegar ainda. Mas, que está me olhando... E parece que sempre tem mais lá de onde veio isso. Até onde Leonardo, Marcelo, Douglas, Priscila e Daniel irão? Porque eu quero ir junto. Agora não tem mais volta: saiu o novo disco do Blanched. E são estranhas as sensações que ele provoca. Ou não. Na verdade não são nada estranhas. Elas só nos remexem as entranhas. E deixam a gente assim. Aquietadas e exultantes ao mesmo tempo. Hoje eu to melhor, pode saber. E, aí, vem a última faixa. Com palavras, várias palavras. Tão afiadas quanto os climas instrumentais. Só o violão do começo já valeria a música, mas tem mais, muito mais. Depois de cantar 'calma, que essa dor logo passa, essa dor...', eles voltam com seus pensamentos. 'Quando eu voltar, espero deixar mais longe, tão longe, a dor que não me deixa esquecer que este cansaço é sem alívio. Quando eu voltar espero aceitar a tristeza, na crueza da certeza de que os melhores momentos são em silêncio. Quando eu voltar, espero encontrar-te mais forte, mais livre, consciente de que o amor morreu doente.' Difícil continuar aqui depois disso. É isso, são essas sensações, que fazem valer tudo." (Adriane Perin, jornalista e produtora, PR)
Muito legal também foi conhecer os caras e constatar que as afinidades eram tantas. Encontrar, anos depois, as filipetas em cujo verso eles deixaram seu carinho impresso também é muito legal. Nós conhecemos a banda pessoalmente por conta do disco anterior, Ter Estado Aqui, repertório pelo qual os convidamos para tocar no Rock de Inverno 4, em 2003. O show deles não rolou como gostaríamos, mas a passagem por Curitiba abriu outras portas e, com alegria, os vimos tocar no Memorial de Curitiba.
6/09/2015
Unknown Pleasures: tocando a distância
Se tem um adjetivo que jamais pensei em relacionar ao nome Ian Curtis foi o de mentiroso. Não, claro que não acho que ele foi um mentiroso. Mas lendo as duas biografias que falam dele, a de Deborah Curtis, "Ian Curtis & Joy Division - Tocando a distância" e a do Joy Division, assinada por Peter Hook, "Unknown Pleasures", me vi diante dessa constatação. O companheiro de banda deixa claro que Ian Curtis escondeu a gravidade de sua doença. Ian também escondeu de sua vida ‘artística’ a mulher, a gravidez e até o nascimento da filha, e tentou esconder sua amante Annik, da mulher e da vida familiar. Mentiu em alguns momentos; e não falou tudo na maioria das vezes. Atormentou-se entre tantos “Ians” todo o tempo, dividido entre as vidas nas quais foi amarrando sua existência. Pra que a banda não parasse por conta da epilepsia, amenizou a gravidade de sua doença, e quando voltava pra casa tinha a esposa Deborah pra tentar recolocar as coisas no eixo. Agora, o que dizer de um rapaz talentoso como ele, no auge da juventude, que tem uma postura machista em casa e que jamais “consuma o ato” com a amante? Peter Hook é claríssimo sobre o assunto em pelo menos duas passagens das 298 páginas lidas até agora. Por conta dos remédios, o sexo, ao que tudo indica, na época em que ele conheceu a belga Annik Honoré e conviveu com ela, não era algo possível. Annik cuidava dele nas viagens e shows. Os ‘muitos Ians’ que ele tinha que administrar eram um tormento que só se dissipava quando estava livre, leve e solto com a banda, em especial no palco.
Nas linhas de Deborah, o tom é sério, pesado, triste e, mais ainda do que magoada, ela demonstra não conseguir entender as razões de Ian. Em Peter, o clima é leve na maior parte do tempo, ácido, cínico, bem humorado e, portanto, muito divertido, engraçado mesmo em algumas passagens. Tem sinceridade nos dois, é evidente, porque é muito diferente ler o livro feito por um biógrafo que esmiúça a vida de alguém e outro escrito por quem viveu, sentiu tudo que conta. Peter fala do talento de Ian, de como a química entre eles e o produtor Martin Hannet levou a discos clássicos. Reconhece erros e faz confissões, xinga uns fdp de bandas, conta as sacanagens – algumas adolescentes e perigosas –, ‘entrega’ os colegas e se entrega também.
Deborah conta sobre o Ian adolescente, garoto certinho, ciumento e possessivo no limite, e incapaz de tomar decisões importantes pra sua vida, em especial as que poderiam ‘manchar’ sua imagem diante da família dela. Tanto que as famílias não tinham ideia da vida complicada que a deles juntos foi se tornando. Me parece que pra mulher de Ian houve a necessidade de contar ao mundo sobre um lado doce, meigo, carinhoso e gentil da história deles. E também o lado agressivo e a relação tempestuosa. (No livro dela e no filme Control tem uma cena que acho muito foda, quando ele confirma, singelamente, que não a ama mais, quando ela tenta outra vez saber o que se passava).
Peter procura ser justo com as duas mulheres e Ian, e reconhece que eles não tinham ideia de muito do que acontecia na vida privada de Ian.
Grosseiramente falando, Deborah mostra o Ian ‘dentro de casa’, e Peter o Ian ‘fora de casa’. E juntos mostram como ao longo de poucos anos ‘esses caras’ vão se transmutando na persona Ian Curtis que se tornou o mito.
Enfim, cenas de uma vida, de pessoas que não são perfeitas, que se atropelam entre erros e acertos e que são atropeladas também pelos acontecimentos e sentimentos. No centro de tudo, a música, que no final foi o que ficou e o que mais importa.
Saio dessas duas leituras com uma imagem um pouco mais completa sobre Ian Curtis. Com histórias de uma turma que virou a música mundial, sobre como alguns caras acreditaram e seguiram em frente. Histórias de como o produtor adorava o fato dos Joys não discutirem com ele, porque “não sabiam absolutamente nada”. As várias tentativas para achar “o” baterista.
Histórias saborosas como de onde Hook ‘tirou’ o som do baixo – desde o instrumento desafinado que soava melhor nas notas altas ou de quando surgiu o afinador, libertando o baixista do mico de ver seu guitarrista tendo que afinar o instrumento no meio de shows, inclusive. Momentos tensos – que agora soam divertidos – como Steve e Peter terem sido suspeitos de ser o estripador de Yorkshire, por conta do roteiro de shows que passou pelos lugares dos assassinatos na época em que aconteceram. “Tocamos nesses lugares porque é nesses lugares que bandas punk costumam tocar”, explicou o baixista. Ou a gravação de um disco de 12 polegadas em um de 7’ e o mico de ter que vender ‘aquilo’ do mesmo jeito porque precisavam de dinheiro.
Mais uma vez, é a história de uma turma de garotos que meio sem saber, meio sabendo, sem querer mas querendo muito, seguiu apostando tudo. Encontrando prazeres desconhecidos e vivendo seus dias juntos, que seriam curtos.
Nas linhas de Deborah, o tom é sério, pesado, triste e, mais ainda do que magoada, ela demonstra não conseguir entender as razões de Ian. Em Peter, o clima é leve na maior parte do tempo, ácido, cínico, bem humorado e, portanto, muito divertido, engraçado mesmo em algumas passagens. Tem sinceridade nos dois, é evidente, porque é muito diferente ler o livro feito por um biógrafo que esmiúça a vida de alguém e outro escrito por quem viveu, sentiu tudo que conta. Peter fala do talento de Ian, de como a química entre eles e o produtor Martin Hannet levou a discos clássicos. Reconhece erros e faz confissões, xinga uns fdp de bandas, conta as sacanagens – algumas adolescentes e perigosas –, ‘entrega’ os colegas e se entrega também.
Deborah conta sobre o Ian adolescente, garoto certinho, ciumento e possessivo no limite, e incapaz de tomar decisões importantes pra sua vida, em especial as que poderiam ‘manchar’ sua imagem diante da família dela. Tanto que as famílias não tinham ideia da vida complicada que a deles juntos foi se tornando. Me parece que pra mulher de Ian houve a necessidade de contar ao mundo sobre um lado doce, meigo, carinhoso e gentil da história deles. E também o lado agressivo e a relação tempestuosa. (No livro dela e no filme Control tem uma cena que acho muito foda, quando ele confirma, singelamente, que não a ama mais, quando ela tenta outra vez saber o que se passava).
Peter procura ser justo com as duas mulheres e Ian, e reconhece que eles não tinham ideia de muito do que acontecia na vida privada de Ian.
Grosseiramente falando, Deborah mostra o Ian ‘dentro de casa’, e Peter o Ian ‘fora de casa’. E juntos mostram como ao longo de poucos anos ‘esses caras’ vão se transmutando na persona Ian Curtis que se tornou o mito.
Enfim, cenas de uma vida, de pessoas que não são perfeitas, que se atropelam entre erros e acertos e que são atropeladas também pelos acontecimentos e sentimentos. No centro de tudo, a música, que no final foi o que ficou e o que mais importa.
Saio dessas duas leituras com uma imagem um pouco mais completa sobre Ian Curtis. Com histórias de uma turma que virou a música mundial, sobre como alguns caras acreditaram e seguiram em frente. Histórias de como o produtor adorava o fato dos Joys não discutirem com ele, porque “não sabiam absolutamente nada”. As várias tentativas para achar “o” baterista.
Histórias saborosas como de onde Hook ‘tirou’ o som do baixo – desde o instrumento desafinado que soava melhor nas notas altas ou de quando surgiu o afinador, libertando o baixista do mico de ver seu guitarrista tendo que afinar o instrumento no meio de shows, inclusive. Momentos tensos – que agora soam divertidos – como Steve e Peter terem sido suspeitos de ser o estripador de Yorkshire, por conta do roteiro de shows que passou pelos lugares dos assassinatos na época em que aconteceram. “Tocamos nesses lugares porque é nesses lugares que bandas punk costumam tocar”, explicou o baixista. Ou a gravação de um disco de 12 polegadas em um de 7’ e o mico de ter que vender ‘aquilo’ do mesmo jeito porque precisavam de dinheiro.
Mais uma vez, é a história de uma turma de garotos que meio sem saber, meio sabendo, sem querer mas querendo muito, seguiu apostando tudo. Encontrando prazeres desconhecidos e vivendo seus dias juntos, que seriam curtos.
6/03/2015
Cláudio Pimentel e os Misantropos, Plêiade e "a monotonia dos dias sem surpresa"
Conheci o Claudio Pimentel primeiro como vocalista, letrista da Plêiade, depois como vendedor da 801 Discos e na sequência como dono e balconista do Korova.
Com a Plêiade, ele lançou um dos melhores e mais bem acabados registros do rock feito em Curitiba - "A Descoberta", de 1998 - que tinha na banda também o piano de Marcelo Torrone em uma das mais belas canções já feitas por uma banda curitibana, na minha modesta opinão - "Orações".
Conhecemos a Plêiade antes disso, no início dos anos 90, e logo chamou a atenção o fato de que junto com Relespública e Acrilírico - era das poucas bandas da época que arriscava cantar no idioma pátrio - em uma cena em que a maioria das bandas havia adotado o inglês. E a banda já se destacava pelas letras de Claudião - claramente inspiradas em literatura beat, poesia, cinema - e pela interpretação rasgada dele no palco, em contraste com a atitude ensimesmada do shoegaze-grunge que predominava no underground de então.
A 801 é um capítulo a parte nessa história. mais do que uma loja de discos, se tornou um verdadeiro ponto de encontro do underground curitibano da época e de certa forma um "centro cultural". Lá por exemplo, acompanhei a gravação dos primeiros "Ciclojans" - que começou como segmento do programa Caleidoscópio na rádio Educativa e depois migrou para a televisão pelas mãos de Cyro Ridal. Lembro especialmente da gravação com o pessoal do The Charts (SP), com quem a gente ainda fez uma jam histórica no apto em que moravamos no edifício Tijucas, centrão de Curitiba.
Na 801 era muito legal a relação da gente com os "vendedores" - além do Claudião, o Torrone e o Horácio. Cansei de comprar discos lá no escuro, sem ter a mínima ideia do que tava levando confiando nas dicas, na sensibilidade e no bom gosto dos caras, porque parecia que eles interpretavam o que a gente ia gostar, e quase que invariavelmente acertavam na mosca. foi lá que comprei meus primeiros discos do Tindersticks, Morphine, Mojave 3 e uma pá de coisa que ouço e está nos meus preferidos desde então até hoje e pra sempre.
E ele ainda teve o Korova, saudoso bar lendário do underground curitibano do final dos anos 90, começo dos 2000, onde toquei muito com o OAEOZ, fiz e vi muitos shows memoráveis, como a Íris.
E agora o Claudião está de volta com Cláudio Pimentel e os Misantropos - "Psiconáutica". E o cara já começa o disco com um direto no fígado: "estou ficando antigo/apegado ao farrapo/agarrado ao obsoleto/acomodado ao usual" (Névoa).
E depois emenda com um cruzado no queixo: "é que hoje você só me faz lembrar a monotonia dos dias sem surpresa/enquanto sentamos mudos lado a lado".
E ainda tem uma gravação de "A árvore" - música que ele tocou com a Plêiade no primeiro Rock De Inverno, em 2000, no Circus - em interpretação que está imortalizada no vídeo documentário do festival feito pelo Marcelo Borges.
Ouvindo esse disco eu me sinto feliz por ver um cara como o Claudião continuar produzindo música de tanta qualidade, independente de modinhas ou expectativas, do chororô e blá blá blá inútil de cena. Simplesmente fazendo o som dele - belas canções, bem feitas, com um texto de alto nível e bom gosto extremo em timbres e climas. Música de gente grande, que não deve nada pra ninguém e nem está em busca de aprovação ou hype. Simplesmente existe e é o que é. E pelo menos pra mim, é bom pra caramba! Porque é música de verdade feita por gente de verdade. Que faz a inexorável passagem do tempo na nossa vida parecer fazer mais sentido, mesmo que isso seja uma ilusão.
Parabéns Claudião - Você conseguiu de novo cara!
5/28/2015
Dez anos de “Às vezes céu” – OAEOZ
Há dez anos, o OAEOZ lançava “Às vezes
céu”, terceiro disco da banda, formada na época por Ivan Santos (voz, violão,
teclados, gaita), Rodrigo Montanari (baixo), Hamilton de Lócco (bateria),
Carlos Zubek (guitarra) e André Ramiro (guitarra).
O disco foi gravado em oito sessões que
totalizaram 25 horas, no estúdio Nico´s, entre os dias 29 de fevereiro e 10 de
agosto de 2004. Ao todo foram gravadas treze faixas, sendo que doze delas
acabaram no CD – nosso primeiro e único prensado em fábrica. A produção musical foi de Ivan Santos e
Igor Ribeiro (que também ficou responsável pela mixagem). A produção executiva
foi de Adriane Perin. Vinícius Augusto foi o técnico de gravação e Marco MacCoy
(Cores D Flores) o assistente.
Igor também tocou trumpete na faixa
“3h30” – adaptação de um texto do dramaturgo Sam Sheppard. A canção “Dizem” - música minha com letra de Rubens K - contou com vocais de Edith de Camargo (Wandula) e o violoncelo de Samuel
Pessati. O arranjo de cordas foi escrito por Rodrigo Lemos (Poléxia/Lemoskine).
A Patrícia de Souza, mulher do Carlão, fez backing em “Dias tortos”. E o côro
final de “Meia-volta” reuniu além do pessoal da banda, da Adri, e da Patrícia
uma série de amigos – Rubens K, Mariele Loyola, Marco MacCoy, Luciana Raitani,
e Ana Rica Clivati. Esse côro foi gravado na casa do Igor Ribeiro – que fez
também a mixagem – e onde rolaram algumas gravações adicionais.
As gravações do disco têm alguns
detalhes interessantes. Em “Mar dividido”, a Adri e a Patricía “tocaram” duas
“healthy balls” presenteadas a nós pelo casal Thiane e Rafael Martins, da banda
Deus e o Diabo (RS). São bolas de metal usadas pelos chineses pra exercícios de
meditação e que quando movimentadas fazem um som como se fossem de sinos
tocando. Rafael, aliás, escreveu um texto em forma de carta que foi incluído no
press-kit do disco.
Já em “Horizontes”, na introdução a
gente fez uma brincadeira que era simular o início da música como se alguém
entrasse em um carro no meio da chuva e ligasse o rádio. Antes de tocar um
trechinho da música, esse “personagem” passeia pelo dial, e entre outras
coisas, ouve um trecho de uma gravação do escritor Charlie Bukowski lendo um
poema dele.
A foto da capa é uma imagem do Pico
Paraná feita pelo André Ramiro – nosso montanhista honorário.
O show de lançamento
aconteceu no Teatro Paiol, no dia 28 de maio de 2005. E também teve uma série
de participações mais do que especiais. Assim como no disco, a Edith cantou
comigo “Dizem”, que contou com violino e violoncelo e o Igor tocou trumpete em
“3h30”. E o “final apoteótico” com “Lembranças não valem nada” teve Adri, Lu
Raitani e Marcos Linari (La Carne) nos backings. A Lu também cuidou da
iluminação. E o Luigi Castel do som – ele me contou recentemente que foi a
primeira vez que ele fez som no Paiol. Abaixo as incríveis fotos feitas por nossa amiga Iaskara Florenzano.
Enfim, escrevendo isso e lembrando de
todos esses detalhes agora eu percebo como esse disco foi um trabalho coletivo,
um “fotograma” musical de uma época e uma turma de amigos que fez tudo isso
pelo simples prazer de fazer algo que gosta, sem qualquer outra pretensão. E
por mais que isso não tenha importância pra mais ninguém, é muito importante
pra mim, porque é o retrato de um pedaço da minha, e da nossa vida, que ficou
marcado e que está impresso e gravado em “Às vezes céu”.
São músicas que falam sobre sentimentos
de inadequação e desajustamento. Uma certa vertigem de um mundo que gira e te
tira o chão. Um não à idealização do passado – um tempo e um lugar que só
existe na nossa cabeça. Um sim a viver a cada dia o seu dia e o futuro agora.
Uma trilha musical para a autoconsciência. A dúvida como motor para a
descoberta. O desafio de encarar a rotina, “o
esmagamento contínuo dos sonhos”. “No future” - estamos vivos e isso é tudo.
“Não sinto medo”.
Hoje, reunindo todo esse material e escrevendo esse texto, e percebendo quanta gente querida, amiga e talentosa estava envolvida na produção desse disco e desse show, percebo que ele já não é mais meu ou da banda, mas é de todos nós, que estávamos lá. Uma celebração da vida, da música, da generosidade e da amizade. Me sinto muito feliz por ter feito parte disso.
___
Aproveitando essa celebração, a gente
disponibiliza alguns itens inéditos e ou raros ligados ao “Ás vezes céu”.
Abaixo você pode conferir uma música
gravada nas mesmas sessões que acabou não entrando no disco. Ela nem chegou a
ser totalmente finalizada, e nem nome oficial tinha. Apelidei-a de “Você aqui
assim”:
Aqui, a primeira gravação da faixa de
abertura, “Lembranças não valem nada”, em registro feito provavelmente no final
de 2003, no estúdio Tó, de e por Norberto Pie, que nunca chegou a ser lançada
oficialmente:
Aqui, um vídeo feito por Marcelo Borges para a faixa de abertura. Como sempre, ele fez tudo sozinho, lá de Londres, por conta e risco, sem participação da banda. rs
Outra curiosidade que eu só descobri recentemente. "Às vezes céu" virou trilha de cinema. A canção "Vôo baixo" foi usada no filme "Curitiba Zero Grau", como pode ser conferido a partir de 34'46'' no vídeo abaixo:
Esse disco levou o OAEOZ a tocar em São Paulo – dois shows no mesmo dia 5 de abril de 2005, no Centro Cultural de SP e no club OUTS -; Porto Alegre, Londrina, União da Vitória.
Mesmo dez anos depois é difícil pra mim
falar dele com distanciamento. Então prefiro deixar aqui algumas críticas que
saíram na época, e que expressam melhor do eu poderia dizer.
“Às Vezes Céu, dito primeiro álbum do
OAEOZ, é um desses casos raros de belas flores que nascem no asfalto,
aumentando a fé e renovando a esperança em novas flores.”
“Afastada dos modismos, OAEOZ aposta em
canções maduras e verdadeiras”
"Às vezes céu" é a estrada aberta ou o
sinal do trem mudou. (...) Este discocedê é recomendado a quem gosta de
desafios. Sua curiosa sonoridade contida que realça a voz me lembra que o jazz
irrita ao ouvinte menos afeito justamente por costurar linhas tortas e não de
canduras psicodélicas. Se eu sobreviver amanhã, arrumo coragem para ouvir o
disco no escuro. Um fino solo de guitarra me devolve a alegria neste
instante..." - Mário Pacheco – site dopropiobolso
“E é nessas falhas (como a voz oscilante de Ivan
Santos), abertas entre rasgos musicais de almas lavadas e sentimentos
contraditórios, que reside o poder arrebatador desse álbum. Um disco bonito
demais, bonito como sua capa, bonito como os erros de quem acredita em alguma
coisa além de si próprio mas não cai em respostas fanáticas fáceis." - Leonardo
Vinhas – site Gordurama
Se na vida, no dia-a-dia, é bom buscar um caminho
do meio, como nos ensinou Buda, este conselho, definitivamente, não é bom para
a arte, que vive e avança quando se arrisca, quando transgride, enlouquece e
nos mostra, inclusive, as imperfeições. Esse é um prêmio conquistado por OAEOZ
com o sacrifício pessoal de seus integrantes e também de quem os auxiliou nesta
empreitada. Eles fizeram arte fugindo da mediocridade. Se eu fosse Nick Hornby,
já colocaria este trabalho na lista dos melhores discos do ano, independentes
ou não e de qualquer região do planeta - Luiz Claudio Oliveira – site TudoParaná
"A beleza deste trabalho não se limita às
melodias e composições, a parte gráfica feita em dig-pack com uma maravilhosa
foto do pico do Paraná feita por André Ramiro dá o tema: contrastando o tom
escuro das montanhas com o azul do céu e todo o material destinado a divulgação
feito em azul remete à tranqüilidade da alma contrastada com a densidade
montanhosa da vida!" - Wellington Dias – site Gramophone
Aqui, Leonardo Vinhas escreve para o
Scream Yell sobre o show no OUTS:
Leo Vinhas, aliás, jornalista de
Taubaté que conheci primeiro lendo seus textos no Scream Yell e depois nos foi
apresentado pessoalmente pelo parceiro Rubens K foi umas amizades que a gente
acabou fazendo a partir da música. Foi ela que nos aproximou – no que eu sou muito
grato, pois se trata de um cara com grande sensibilidade e talento. Por isso,
não poderia ter pessoa melhor pra escrever sobre os dez anos de “Às vezes céu”,
como você pode conferir no texto abaixo.
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