Jornal do Estado/ Bem Paraná
Teresa Urban fala sobre seu novo livro, Ditadura Abaixo,da editora Arte & Letra, sobre o movimento estudantil e também mostra um outro lado de sua geração
Ditadura Abaixo, de Teresa Urban, com quadrinhos de Guilherme Caldas mistura linguagens literárias para contar a história de 1968, em Curitiba
Adriane Perin
2008 foi um ano interessante para a literatura paranaense. Mais dois Jabutis vieram pra cá; jovens autores lançaram (bons) livros - destaque para Luiz Felipe Leprevost - ; revistas importantes tiveram continuidade, autores ganharam homenagens póstumas, houve apoio público para produção e cursos. E neste finalzinho, para fechar em grande estilo, eis que chega uma obra desde já fundamental. Ditadura Abaixo, de Teresa Urban, com quadrinhos de Guilherme Caldas, mistura linguagens literárias para contar a história de 1968, em Curitiba, passando pela história do movimento estudantil. Em seu bojo, uma importante pesquisa histórica sobre o que se deu por aqui no fatídico ano do AI-5, aquele que não terminou e que deixou, também na capital paranaense, suas marcas. O lançamento é da Arte e Letra .
Nas 249 páginas, Teresa se utiliza de informações e fatos históricos para criar uma história de ficção. Como já se sabe, 1968 foi o ano do Ato Institucional de número 5, que completou 40 anos neste último sábado, quando se soube de pesquisa dando conta que 8 em cada dez brasileiros não sabem do que se trata. O AI-5 marcou o acirramento da repressão, dando munição para a ditadura militar brasileira cometer a fase mais arbitrária e violenta da História recente do Brasil. Muito se fala dos mortos e desaparecidos em outras regiões brasileiras, mas Curitiba tampouco passou incólume pela truculência do golpe militar.
Mergulhar nessa história não foi fácil para Teresa, cuja “ficha” no Dops (Departamento de Ordem Política e Social), por subversão, tá reproduzida no livro. “Se eu não fizesse agora, não sei se ia fazer. Foi meio que me garrar nos 40 anos de 68. Mergulhar nos arquivos do Dops foi muito doloroso”, diz. Além da vontade de contar sobre isso para o neto, a jornalista diz que é uma boa história não contada antes. “Sempre me incomodou isso de a gente daqui não passar boas histórias para outras gerações. Lembro que quando estava na universidade me incomodava muito o fato de não termos os mais velhos pra contar como era antes. E não tínhamos porque tinha havido golpe e muitos não estavam presentes ou não podiam contar”, lembra.
Isso fica claro logo nos primeiros quadros da história, quando ela situa o ambiente nas duas únicas universidades do Estado na época, Federal e PUC, que atraíam para a capital estudantes de todo o Paraná. Além de aulas desanimadoras, com discurso político engajado ao golpe que renegava descaradamente fatos noticiados - e com professores que diante de qualquer questionamento iam logo intimando: “seu nome completo” -, o estopim foi a tentativa de cobrar mensalidades.
“É sempre ruim quando existe uma ruptura em um processo de acumulação de conhecimento, afinal a História se faz do contrário. E, até agora, essas histórias estavam no âmbito doméstico. Não existe bibliografia disponível e o que tem é muito acadêmico”, oberva Teresa para quem, de repente, caiu a ficha dos 40 anos passados desde aqueles dias de confronto. “A história começava a ficar muito antiga do ponto de vista de quem nasceu anos 60 e 70”. Junto a isso outra vontade, de falar com o jovem. Olhar para o neto de 15 anos sempre lhe despertava a inquietação sobre o “como a gente fala com ele?”.
Não só, João, o neto, serviu de consultor, mas também alguns amigos, Tiago e Lucas. “Fui descobrindo como é rápida a comunicação entre eles e meu caminho foi tentar fazer tudo rápido, com textos curtos, frases claras, o que dá um trabalho que nunca imaginei. Meus livros anteriores eram de muitas palavras. Foi um desafio”, completa ela que quis, e conseguiu, mostrar também um outro lado. “Queria fazer algo que permitisse que a documentação da ditadura viesse a público, e também os aspectos positivos de uma juventude generosa, envolvida com os problemas do país, com vontade de mudar o mundo” conta.
O livro é uma mistura de linguagens visuais. Quadrinhos e textos se completam e se traduzem, e são completados de forma muito legal por recortes de jornais, trechos de textos e de manifestos, além registros de documentos mantigos pela repressão. E, no final é evidente que Teresa não fala só com os jovens, como ela mesmo descobriu. “Tem um universo de gente que nasceu na década de 60 que não conhece essa história. Foi revelador”. A cor local, como define Teresa Urban, faz toda a diferença e provoca fortes sensações. São tantas as “nossas” histórias a serem contadas. “Esse buscar dessa cidade, dessa realidade que a gente vive, isso me impulsionou também; a intenção de ir construindo algo que chegasse a hoje e foi extraordinário encontrar uma pessoa com a garra do Guilherme Caldas. Ele pegou o espírito da coisa e foi embora. Trabalhos juntos para descobrir que cidade é essa e como era”, diz e emenda. “A memória da gente é algo muito apegado a momentos de intensidade. Quando falo de Curitiba percebo muita coisa minha, da época em que éramos os donos da Rua XV. Era outra cidade, outra organização social, os universitários tinham espaço grande e me esforcei pra mostrar. Porque a ditadura tem um lado sombrio, mas 68 também é um ano mágico. Extraordinário no mundo inteiro, de descobertas, das mulheres descobrindo seu espaço, de uma sede de saber e de fazer...”.
O passado ronda a realidade
Adriane Perin
Tem muito de Teresa Urban então nesse livro? “É inevitável, mas não é uma biografia, embora estejam ali coisas que vivi. Tive a liberdade para imaginar personagens, mas sobretudo, não se pode ignorar que o passado ronda a realidade”.
Teresa considera importante ressaltar que os estudantes, protagonistas de 1968, não viraram baderneiros, havia uma inquietação por uma razão: a (falta de) qualidade do ensino. “O movimento estudantil não era à esquerda. Mas havia uma insatisfação que resultava da profunda ignorância que tomou conta da comunidade acadêmica. Era impossível ficar indiferente”, garante. “E no livro isso fica claro, é uma descoberta de uma rede de vigilância que emerge a todo momento. Começa a ser exasperante”, lembra.
Tem uma sequência de quadrinhos que traduz issocom simplicidade e maestria. A moça, Maria, estudante de filosofia, protagonista, vai ao departamento de Filosofia, seu curso, reclamar da falta de qualidade das aulas. Logo houve a pergunta fatídica: “Nome completo”. Ao que responde: “Ah, você é da turma do nome completo, já vi tudo”. E segue o diálogo:
- “E vocè, uma comunistinha de merda”.
- “Eu, comunista? Tá louco. entro aqui pra pedir aula e professor decente e viro comunista?
- “Oha sua roupa, calça comprida, sandália de couros... tá na cara que é vermelhinha....”
Começa a ficar terrivelmente pesado, segue Teresa, “porque naquela época havia uma expectativa que não se tem mais hoje de que a universidade fosse uma experiência de conhecimento, a profissão era decorrência”. “Era uma época no mundo todo de descobertas tecnológicas, mudanças comportamentais. “ Tudo era desafio para quem tinha 20 anos. E toda essa sede de conhecimento encontrava um muro na frente, a ditadura. Foi a luta contra ela que nos uniu, mas por trás daquilo tudo havia uma imensa vontade de entender o mundo”, lembra.
Um momento divisor de águas foi a “batalha do politécnico” e a conseqüente, tomada da Reitoria da Federal, em uma ação que mostrou muito senso estratégico. “Houveram grandes manifestações, mas procurei mostrar que havia uma certa irregularidade na reação da repressão, como na batalha do politécnico. Ali a repressão foi desproporcionalmente exagerada, e seguiu-se de parte dos alunos uma estratégia bem sucedida que foi a tomada da reitoria. Esse é um momento emblemático no sentido de mostrar a capacidade de organização contra a tentativa de implantar o ensino pago” .
Mas, para Teresa, o momento que encerra uma fase do movimento estudantil foi mesmo o julgamento dos meninos da chácara do alemão. “Ali foi como se caíssemos na real. Porque até ali parecia, mesmo com a repressão, que tudo era possível. Até ali a gente não tinha muita noção da mundança de nível, com o AI 5. Ali nos percebemos numa armadilha gigantesca. Descobrimos que ir para rua não ia mudar a ditadura, restavam outras alternativas. Uma parte se liga, aí sim, a grupos de esquerda, passa para a militânica operária ou luta armada”.
Arquivos-mortos — Durante sua pesquisa Teresa se surpreendeu com a ausência de documentação organizada. “Nos arquivos de jornais não existe nada. Tive vontade de chorar e tenho a impressão que na transição para o mundo informatizado esses arquivos foram para o lixo. Preciso ser cautelosa com essa afirmação, mas foi com esta impressão que fiquei”, diz. Neste contexto o melhor arquivo disponível é o do DOPs, no Arquivo Público. “É um ponto de vista especifico, mas se pode pinçar história. Muita coisa do que aconteceu tá ali, o grau de neurose deles, e coisas ridículas como transcrições absolutamente sem importância. O mergulho no arquivo do DOPs foi muito doloroso, mexeu com muita lembranças e sensações”, diz.
Ilustrações - Outra parceria importante foi com o quadrinhista, ilustrador e artista plástico Guilherme Caldas, 35 anos, criador da história em quadrinhos. Ele conta que passou cinco meses trabalhando nas ilustrações do livro. Para tanto, assistiu ao filme Lance Maior, do cineasta Sylvio Back e afirma que procurou ser “o menos fantasioso possível, o mais fidedigno aos fatos e principalmente à forma como as pessoas se vestiam, falavam, ao que era moda na época”. E conseguiu fazer um trabalho forte, cujos desenhos, como disse, traduzem as partes de prosa do livro, com eficiência.
Nesta pesquisa e ele notou quanto falta trabalhos sobre o tema. Mesmo a Internet tão rica em tudo, “é um verdadeiro deserto em relação ao que aconteceu em Curitiba neste ano”, conta. Para comprar o livro: www.arteeletra.com.br/
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