A revista Bizz acabou de novo. E pra fechar a tampa do caixão um dos carinhas que trabalhavam lá, Gustavo Martins, que parece também trabalha na MTV e tem uma banda chamada Ecos Falsos resolveu publicar no site uma “entrevista” com ele mesmo falando sobre o porque que a banda dele não faz sucesso, e por tabela, comentando uma série de coisas sobre o cenário independente brasileiro. O cara fala um monte de merda com a qual eu definitivamente não concordo, mas também levanta algumas bolas certeiras que no mínimo dão pano pra manga e discussão. Alguns trechos que me chamaram a atenção:
“De qualquer forma, você tem que considerar que a parcela da população que cria e consome os hypes ainda é ridiculamente pequena no Brasil, então não sei o quanto isso é representativo. Várias vezes tenho a impressão de que os indies ficam brigando por migalhas, tocando pra um público formado praticamente por bandas e jornalistas, onde a gente quer chegar desse jeito? O povo vive falando do "estouro da Internet", mas se for ver, quem são nossos Arctic Monkeys e Lily Allen? O NXZero e a mulher do "Vai Tomar no C*" [risos], são os únicos que chamaram atenção de verdade.”
“Esse papo que o indie vai tomar o poder, que agora é "a vez dos independentes", parece um mantra do Lair Ribeiro, daqueles que você repete de manhã no espelho pra se convencer que é verdade. A meu ver, o ano de 2007 foi tão ruim quanto qualquer outro para fazer rock sem dinheiro no Brasil, continuamos tocando para os mesmos abnegados, não tem nenhum sinal claro que o público vá aumentar.”
“Parece que tem duas verdades pairando no ar: que o público já existe e só precisa ser avisado, e que a "arte" já basta pra atrair as pessoas. A primeira, perdoem-me o pessimismo, é muito improvável. O público para isso simplesmente não existe, ou se existe só dá pra sustentar 10% das bandas que tem por aí. A segunda eu acho inviável, a gente tem que pensar no negócio como entretenimento ou vamos todos morrer de fome esperando ser "descobertos". Meus amigos não-indies nunca vão nos lugares que a gente toca, e como eu posso culpá-los? Via de regra regra, se o ingresso não for "caro" (R$ 15 já é "caro"), o equipamento som vai ser péssimo, os shows vão começar tarde pra burro e durar bem mais do que deveriam, não vai dar pra dançar, não vai dar pra conversar, a galera vai ir embora assim que acabar e em geral vai ser feia pra dedéu [risos]. Como a "cena" vai crescer se não for nem atraente?”
“A gente vive perdendo dinheiro convidando gente de fora pra tocar aqui em São Paulo, mas nem isso mais o povo quer fazer, ninguém chama ninguém, fica todo mundo em casa esperando ser selecionado pra festival, tentando uma boquinha no Sesc...”
“Assim, a princípio, não acho saudável que a música vire um negócio como o cinema, em que 80% do seu tempo tem que ser dedicado a convencer o governo ou os diretores de marketing das empresas que seu projeto merece dinheiro, e o resto você faz de acordo com o que liberam. A meu ver, isso é exatamente o contrário de "independência", é a dependência total. Mas também não vou ser idiota de ficar criticando o fato dos produtores finalmente terem estrutura para fazer seus festivais.”
“mas qualquer um que já leu Noites Tropicais do Nelson Motta sabe que 90% desse negócio de música são os contatos. Nesse sentido eu sou uma negação, odeio ficar "fazendo contatos", bajulando pessoas, indo a festas, cheirando pra fazer amigos... Mas isso é idiotice minha, são todos meios lícitos - tirando o último, obviamente - de se chegar nas pessoas certas, até porque pouquíssimos jornalistas ou produtores freqüentam o circuito de shows atrás de coisas novas, você tem que chegar até eles, encher o saco. É o bom e velho lobby, que existe em qualquer meio.”
“Quanto à questão política, nunca quis me envolver muito nisso, talvez porque ter uma banda de rock não te coloca numa posição muito confortável pra fazer política. Quer dizer, você sabe quanto custa uma boa guitarra, um baixo, uma bateria? Não é algo exatamente ao alcance de todos. Somado a isso, você precisa do tempo livre para se dedicar à banda, ou seja, no fundo, é um passatempo de moleques abonados, que não precisam trabalhar ou têm dinheiro pra perder.”
enfim, como eu dizia, não subscrevo metade do que o cara diz, acho que ele generaliza e fala muita bobagem em alguns momentos, mas não há como não reconhecer que ele toca em algumas feridas importantes. pra mim, principalmente quando fala por exemplo que ao contrário do que alguns parecem tentar fazer acreditar, a cena independente brasileira não virou nenhum paraíso da noite pro dia. a maioria das bandas continua pagando pra tocar e pra um público ínfimo, em condições precárias e sem grandes perspectivas concretas de mudar isso. mesmo em bandas já reconhecidas, os caras ou tem outros trampos, ou dão aula de música, trabalham como técnico de som, estúdio, roadie, produção e o caralho a quatro pra sobreviver. e os festivais, que tanto se badala, vamos ser sinceros, até agora pelo menos (enquanto não tinha entrado a grana da Petrobrás com a obrigação, no edital de pagar cachê pra todos) - a maioria não paga nem transporte pras bandas participantes que não sejam head liners. e não é pra qualquer um encarar três ou quatro dias de viagem de ônibus ou bancar quatro cinco passagens aéreas pra tocar em um festival do outro lado do país. longe de mim criticar quem quer que seja, até porque já organizei festival e sei o tamanho do abacaxi que é. se foi assim até hoje era porque foi assim que foi possível viabilizar os eventos, e eles sem dúvida são a maior vitrine para as bandas independentes no País. estou apenas colocando alguns pingos nos is em relação as condições que envolvem/envolveram esse circuito até hoje. e quem tá nessa há algum tempo sabe muito bem disso.
que o avanço tecnológico facilitou em muito as coisas pra você, por exemplo, gravar um disco, e a internet, pra divulgar e atingir mais pessoas, não há dúvida. mas a gente tá longe, muito longe do cenário róseo que alguns pintam por aí. como eu digo, a indústria musical no Brasil é decadente e viciada em mesmice. investe nada ou quase nada em novos talentos, e quando se faz, geralmente é a cópia da cópia da cópia do que já tá na moda ou estabelecido. e essa cultura dos aovivo acústico etc gerou um círculo vicioso que junto com a pirataria e a absoluta incapacidade das empresas em lidar com o mundo digital só ajudou a enterrar de vez o pouco que existia.
se é assim no mainstrean, não é muito diferente no cenário independente. não dá pra pensar na música como uma coisa que paira sobre a realidade, sem ser afetada por ela. não se trata de constatar o óbvio, mas de colocar as coisas no seu devido lugar. venho neguinho discutindo porque a música independente não tem mais espaço, mercado. o problema não é a música. o buraco é muito mais embaixo. a verdade é que a gente vive em um país em que grande parte da população tá fora do mercado de consumo propriamente dito. tem pouco ou nenhuma acesso a informação fora dos mass media, muito menos a ensino de qualidade. um terço dos jovens/adolescentes não tem emprego e tão fora da escola. ou seja são não-cidadãos, porque não podem sequer abrir uma conta em banco ou fazer uma compra a crédito. em muitas regiões metropolitanas, esse índice chega a perto da metade. e a imensa maioria dos demais que ainda conseguem chegar a escola e ter um trabalho, ganha mal e tem um ensino absolutamente indigente. é só lembrar uma pesquisa recente que mostrava que boa parte dos estudantes de São Paulo do segundo grau tinham nível de leitura/interpretação de texto de primário. como é que a gente vai querer que exista mercado pra música independente, se as pessoas mal conseguem sobreviver e ter o mínimo de perspectivas de melhorar de vida?
Fora outras questões macro que são determinantes pra todo processo produtivo em qualquer lugar do mundo. O Brasil tem uma economia estagnada, onde quem tem dinheiro não tem motivo pra investir em qualquer coisa de mínimo risco que seja, porque com os juros que se pagam é mais seguro e prático simplesmente deixar o dinheiro rendendo no banco. Pra que o cara vai correr o risco de investir em um negócio, pagar impostos, encargos sociais e o escambau, lidar com um monte de burocracia pra, se tiver sorte, conseguir uma rentabilidade de 10% ao ano, se ele pode ter isso simplesmente deixando o dinheiro no banco ou aplicando em fundos, sem praticamente qualquer risco? E se é assim com as atividades econômicas em geral, o que dirá de música independente, banda desconhecida, rock enfim, essas coisas todas que a gente dá muita importância, mas no fundo, só são importantes pra pouca gente.
Outro fato é que pra maioria das pessoas a música é tão e somente enterteniment, um negócio que toca lá no fundo do bar enquanto você ta pegando mulher ou tomando uma cerveja. É uhú e tralálá, dedinho pra cima e sai do chão galera! Quem não faz música dentro desse recorte, meu, ta fora do mercadão, pelo menos daquele mais visível. E não se trata de reclamação ou crítica, mas simplesmente de uma constatação óbvia. A realidade é que o indie brasileiro continua se resumindo a 300 pessoas em cada capital ou cidade mais populosa do País. E isso não paga as contas de ninguém. Enquanto o País não crescer, e não deixar de ser o eterno país de um futuro que nunca chega, vamos continuar chafurdando na lama, e como diz o cara da Bizz, brigando por migalhas, tentando matar um leão por dia, e recolhendo as sobras no dia seguinte. Não se trata de pessimismo ou derrotismo, mas de não querer se iludir, se enganar, apenas pra ser politicamente correto e não remar contra a maré. Quem me conhece sabe o quanto eu lutei e continuo lutando pra tentar, mesmo que de uma forma limitadíssima, ajudar a mudar esse cenário. Mas não é se enganando ou tapando o sol com a peneira que a gente vai conseguir isso. Há um longo e tortuoso caminho pela frente, e não há absolutamente nenhuma garantia de que no final, esse caminho vá nos levar pra algum lugar.
Enfim, tem um monte de merda que eu poderia comentar disso aqui mas agora já to atrasado pra caralho pro trabalho.
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9 comentários:
tesao mesmo era a bizz "original"
morreu de novo?
tá doido........
agora nao adianta ressuscitar pela 2 vez
um boca a boca, talvez...
“...não vai dar pra dançar, não vai dar pra conversar, a galera vai ir embora assim que acabar e em geral vai ser feia pra dedéu [risos]. Como a "cena" vai crescer se não for nem atraente?...”
Talvez um show de bandas independente na Fashion Week resolveria esse problema. Deprimente...
“...Não se trata de pessimismo ou derrotismo, mas de não querer se iludir, se enganar, apenas pra ser politicamente correto e não remar contra a maré...”
Issaê! Contra a corrente baby!
Boa Seo Ivan!
“...não vai dar pra dançar, não vai dar pra conversar, a galera vai ir embora assim que acabar e em geral vai ser feia pra dedéu [risos]. Como a "cena" vai crescer se não for nem atraente?...”
Talvez um show de bandas independente na Fashion Week resolveria esse problema. Deprimente...
“...Não se trata de pessimismo ou derrotismo, mas de não querer se iludir, se enganar, apenas pra ser politicamente correto e não remar contra a maré...”
Issaê! Contra a corrente baby!
Boa Seo Ivan!
pois é Carlinho, essa parte da gente "feia pra dedéu" eu também achei babaquice, mas até entendo, dentro do contexto que o cara fala. agora o resto, do som ser uma merda, os shows começarem tarde demais e etc, é fato. e fato que pouca gente tem paciência pra enfrentar essas. eu incluso não tenho mais saco pra frequentar o mundinho indie. anfan
previsao para 2008. em curitiba, o publico vai continuar preferindo as bandas cover. de preferencia os covers anos 80 suuuper engraçadinhos. bem na moda né?
tssss
o cara da mtv falou a real... é questão de encarar ou não... as coisas que o ivan coloca depois só elucidam um pouco mais, como uma forma de encarar o problema, visto que estamos nessa faz algum tempo já e não é agora que vamos mudar o que fazemos (ou o "modo" como fazemos) por causa de tudo isso, certo?... apenas você encara, ou não...
Sabe o que dá vontade depois de ler tudo isso?
Vamos agilizar mais um festival?
ehehe
absssss
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