Jornal do Estado
Entrevista
O baiano Hyldon era quase uma criança quando entrou no circuito de estúdios brasileiros
Adriane Perin
Divulgação
Hyldon está feliz da vida e envolvido em vários projetos
O baiano Hyldon era quase uma criança quando entrou no circuito de estúdios brasileiros. Já tinha vasta experiência, portanto, quando lançou Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda, primeiro em compacto e depois em LP, disco que estourou Brasil afora. Seu nome figura entre os inventores da Soul Music Brasileira, ao lado dos amigos e parceiros Tim Maia e Cassiano, principalmente.
Dono de uma personalidade forte, “agravada” pela inevitável virulência típica da juventude, ele acabou brigando com as gravadoras no auge de sua carreira, porque não abria mão de fazer do que jeito que queria seus discos. Se seu amigo Tim Maia conseguiu, mesmo entre altos e baixo, e com personalidade ainda mais impositora de um estilo, seguir numa carreira em destaque nacional até o fim de sua vida, Hyldon não teve a mesma sorte e pagou um preço mais alto, catapultado da mídia.
Mais maduro, hoje aos 56 anos, ele faz uma avaliação na qual reconhece “que deveria ter tido mais calma” e que sua ansiedade juvenil, digamos assim, acabou atrapalhando a trajetória musical. Nos anos 90, foi retirado do ostracismo musical com a regração de seus hits, “Na Rua, Na Chuva e Na Fazenda”, pelo Kid Abelha e “As Dores do Mundo”, pelo Jota Quest. Em entrevista ao JE, ele falou sobre os projetos atuais, dois discos e um na área da audiovisual para crianças, com as quais adora trabalhar. A seguir, trechos da conversa:
Jornal do Estado – Conta sobre seus projetos atuais
Hyldon – O primeiro é a gravação do DVD com a banda que toco, a Zona Oeste, com músicas antigas e novas. Estamos captando os recursos pela Lei Rouanet. Nesse meio tempo fiquei meio recluso e acabei criando outro disco, completamente diferente. Nele toco violão, na banda guitarra. Entrei no estúdio e fui compondo e tocando na hora. Virou algo super brasileiro, basicamente em quarteto ou trio, com Ricardo Brasil, Ramon Torres e Cassius Teperson. Eles tocam na banda, mas este disco tem repertório de levadas totalmente diferente das coisas da banda. O nome é Soul brasileiro e tem participação de Zé Menezes, uma lenda viva de instrumentos de cordas do Brasil. Ele tocou com Carmem Miranda e tem 84 anos.
JE — Tem contrato com gravadora?
Hyldon — Gravadora, hoje em dia, tá mais pra problema do que pra acerto. Pode ser que lance pelo meu selo.
JE — O terceiro projeto...
Hyldon — Começou com um disco para bebê, Turminha do bebê que fiz junto com minha mulher, Zoe Medina, que é designer e ilustradora, em 2000 e que, depois, teve mais de 100 mil unidades vendidas pela Avon. Em 2003 fizemos um dos últimos VHS, com uma série de clipes das músicas. Ano passado alinhavamos os clipes, com um narrador contando uma história. Era uma vez um bebê, sai em DVD. Colocamos no youtube.com o clipe “Upa!Cavalinho” que está com mais de 150 mil visitas
JE — A música sempre ficou por perto nesse tempo que você esteve fora dos holofotes?
Hyldon — Sempre. No máximo fui fazer música para criança que é algo que gosto, porque trabalho com imaginário. E não preciso me preocupar com mercado, deixo a imaginação fluir.
JE —E como é sua relação com mercado, já que tocou no assunto?
Hyldon — Na época que tive músicas em primeiro lugar era muito garoto, com 20 e poucos anos - hoje tenho 56. Briguei muito com gravadoras - e sem saber brigar. Foi muito difícil um menino encarar o departamento jurídico com os melhores advogados que uma multinacional podia pagar. Não só eu, meus pares, Tim Maia e Cassiano, também. Tim chegou a fundar o primeiro selo brasileiro exatamente por causa disso. Desde o início tive problema por querer fazer o que eu sentia. Pra gravar meu disco fui ser o produtor. Eu já era músico de estúdio, comecei a gravar muito pequeno - com 16 anos já era guitarrista conhecido -, enquanto compunha também, bem água com açucar no começo. Depois conheci Cassiano, em estúdio, e daí pra soul music brasileira.
JE — Uma das coisas que o livro de Nelson Motta sobre o Tim Maia mostra é a dificuldade técnica dos estúdios brasileiros na época para conseguir chegar a sonoridade que vocês queriam.
Hyldon — O Nelson Motta escreve muita coisa, e muita coisa errada. Ele nem era tão amigo do Tim. Acontece que o Tim queria ir pros Estados Unidos porque curtia os conjuntos vocais, The Platters, Temptations. Quando voltou, até gravar ralou muito, tanto que seu primeiro disco não deu em nada, lançado na virada dos 60 pra 70, pela CBS. Foi lá, nesta época, que cruzei com ele. E também com o grupo vocal do Cassiano. O Cassiano conheci fazendo viola para uma música minha com Vanderlei Cardoso. Aí a gente se juntou. Comecei a gostar de música negra americana e a gente também já curtia rock. Comecei a ouvir Ray Charles, Steve Wonder. Então, aconteceu a soul music, que é uma intermediária entre o rock and roll, blues e o jazz. É uma música mais rica melodicamente, com acordes que não se usava em rock, um pouco mais apurado, mas não tanto que fosse incompreensível. E, nas entrelinhas, muita informações de jazz. O que ajudou a tomar forma foi que tínhamos uma turma que se reunia para ouvir os discos importantes, que às vezes nem saíam no Brasil. Então, dividíamos um com o outro. Não tínhamos a internet. Começamos a colocar também a influência brasileira, não perdemos o que a gente carrega com a gente. É, mesmo, soul music brasileira, como a bossa nova, que usava a harmonia do jazz, mas tinha aquela batida de samba que a diferenciava. Tim e Cassiano conseguiram isso tudo. Ele vieram antes, sou mais novo.
JE — Como foi a aproximação?
Hyldon — Em 1969 viajamos eu e os Diagonais, grupo vocal que o Cassiano liderava e mais um cantor de bolero. Eu revezava guitarra e baixo com Cassiano e cantava músicas minhas. Tinha ainda “Coronel Antonio Bento”, que o Tim depois incluiu no primeiro disco dele e “Primavera”, do Cassiano, que o Tim havia gravado mas não tinha saído ainda. Éramos cinco em um fusquinha. Foi assim.
JE — E desse estreitamento de amizade até o teu estouro nacional o que aconteceu?
Hyldon — Conheci o Tim e logo ficamos amigos. Nessa época toquei com muita gente, Tony Tornado, Vanderléia, Eliana Pittman. Fui pra tudo quanto foi lugar, fiz muito baile.Quando tocava com Tony, em 71, o Tim gravava o segundo disco. Mostrei músicas, mas ele tava tudo pronto e ainda assim me chamou pra tocar com ele, contrabaixo, o que não era o normal, já que eu tocava guitarra. Aprendi baixo com ele. Depois, toquei guitarra com ele, que gravou uma música minha no disco que tem “Não quero Dinheiro”, “Festa de Santo Reis” e ficamos amigos. Tim foi um dos grande incentivadores pra eu gravar meu disco e foi o que fiz. Naquela época não havia milhares de canais, eram só quatro e tinha que chegar com tudo pronto. Eu levava arranjos, bateria, baixo, tudo pronto. Queria uma orquestra, mas não tinha dinheiro, então tive que eu mesmo criar a orquestra. A gente tinha maestros-chave, como Waltel Branco, Waldir Arouca. Fiquei quatro anos preprando Na Chuva, na Casa, na Fazenda.
JE — E como foi o sucesso?
Hyldon — Juro que não foi surpresa, porque achava que meu trabalho era bom e ia tocar, porque eram músicas verdadeiras que provocariam identificação. Mas aí comecei minhas brigas com gravadora, a Polygram, hoje Universal, que queria me obrigar a gravar Rolling Stones. Eu, Tim e Cassiano éramos pessoas humildes, de famílias simples. Eu morava sozinho e não tinha uma base familiar. Fiquei revoltado com as coisas. Mesmo assim, fizeram meu disco e foi forte, então pudemos gravar outro, com “As Dores do Mundo”, que estourou também. Aí me disseram, vai gravar outro. Bati o pé novamente. Outro compacto não, queria mandar meu LP, afinal tinha 20 músicas prontas, algumas em primeiro lugar nas paradas e o cara querendo que eu fizesse versão? Então gravei um disco, Deus, a Natureza e a Mùsica, pra não tocar, tanto que não tem nem foto.
JE – Não gosta deste disco?
Hyldon – Foi legal, um disco experimental. Eu estava cercado de muita expectativa pois o Na rua havia estourado 5 músicas. Fiz algo totalmente diferente do que se esperava e quase fui crucificado por isso. Tinha morado em Nova York e estava cheio de novidades na cabeça. Pra piorar a situação teve grandes erros, problemas técnicos no estúdio recém inaugurados e os tons super altos que eu havia escolhido. Somado a isso eu estava com problemas pessoais e nem acompanhei a mixagem. O processo de gravação também foi diferente. Chamei a banda Black Rio pra dividir com o Azymuth o acompanhamento. Duas musicas desse disco tocaram bastante “Estrada Errada” e “Primeira Pessoa do Singular”, essa uma parceria bissexta com Caetano Veloso, mas foi pouco em relação ao primeiro disco. Logo, eu estaria mudando para a Sony. Mas a minha revolta foi o problema, também. E eu queria também que a gravadora bancasse os shows, o que, sei agora, tava errado, mas na minha cabeça achava certo. Também, eles tinham na cabeça aquela visual de óculos de Elton John e queriam que eu fosse o cara do tênis.
JE – Que história é essa do cara do tênis?!...
Hyldon – Eu era meio riponga e usava tenis, enquanto todo mundo vivia de sapato, o que nunca gostei. Juntou tudo: queriam uma sequência do que tinha feito e, hoje, acho que poderia ter feito algo experimental, mas não assim, do nada. Estava mal assessorado e ter que cuidar de tudo era muito desgastante. Nosso movimento, não existiu porque éramos pessoas que não tinham cultura, estudamos pouco. Estudar dá uma noção melhor de mundo. A gente não tinha a mínima idéia. Queria fazer música e ficávamos putos se o cara falasse não.
JE – A Internet ajuda essa história não se perder?
Hyldon – Foi o que salvou a gente. Entre aspas, né, porque a arte sobrevive, acha um jeito. Ver uma música que fiz há 35 anos tomando outras direções é muito gratificante, prova o valor da obra. As brigas todas aconteceram porque tinhamos um comprometimento em agir como artistas, defendendo nossa obra. Mas, pros caras, era um produto a mais. Nos anos 80, a prioridde passou a ser uma coisa chamada Marketing, cada vez mais forte que a parte artística. Se começou a injetar dinheiro e nasceu o jabá e chegou um ponto em que o dragão comeu o próprio rabo. Graças a Deus a Internet apareceu e é possível manter um público que acompanha. Me surpreendo com a garotada que aparece com meus discos herdados dos pais e avôs.
JE – Nota herdeiros da sonoridade de vocês?
Hyldon - É muita informação de uma vez. A gente ficava meses ouvindo um disco. Hoje, o cara tem dez minutos e ouve 50 músicas. Absorve pouco e faz muita copia. Mas, tem gente boa nova, sem chance de trabalho.
JE - Que balanço dá pra fazer agora:
Hyldon – Olha só, o balanço que faço é no violão (rs). Tô tocando e cantando melhor. Parei de fumar e meu falsete voltou. Moro no Recreio e minha música nunca me deixou passar fome. Não sou um cara consumista e como não preciso de muito, posso me preservar e escolher tocar em bons lugares, com bons músicos. Se não for assim, fico em casa.
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Um comentário:
Muito boa e elucidativa entrevista, com um talento que merecia muito mais da mídia.
Valeu.
André
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