1/21/2008

Corriqueiro e sofisticado

Jornal do Estado

Assim é o paulistano Lestics, que tem seus discos disponíveis de graça na internet

Adriane Perin

Costuma-se dizer que ter uma banda é tão difícil quanto um casamento. Pois, me atrevo a dizer que é bem mais complicado. São mais vidas envolvidas, trazendo a tiracolo, cada uma delas, seus desejos e maneiras de ser, que precisam ser contrabalanceados. E isso vale também para quem não tem o plano de ser “profissional da música”, mas a tem como vital para sua existência. Também é comum ouvir que sempre tem um cara que toma à frente das atividades mais maçantes - produção executiva, distribuição, etc - para que um grupo deixe de existir só num quarto de ensaio e ganhe vida em outros corpos. Trabalho feito, em muito dos grupos alternativos brasileiros, entre jornadas diárias de emprego formal, para garantir o sustento.
Equilibrar-se sobres esses fios incertos da existência provoca tensão, cansaço, brigas e paradas. Foi em um desses hiatos – sem briga - do quarteto paulistano Gianoukas Papoulas que o vocalista e compositor Olavo Rocha, decidiu que queria uma produção menos complicada que as do Gianoukas. Convidou os parceiros, deixando claro que o ritmo do trabalho, neste projeto, seria marcado por ele e não pela agenda dos músicos. O multiinstrumentista Umberto Serpieri encarou e nasceu uma das mais legais bandas, na verdade, um duo, do circuito alternativo brasileiro recente, o Lestics, que em menos de um ano fez dois eps de uma beleza tão delicada quanto arrebatadora; tão pop quanto nada descartável. Com arranjos musicais marcados que remetem a uma simplicidade dilacerante, mas são sofisticados. Tal e qual o Gianoukas – mas diferente.
9 Sonhos, o primeiro disco, e Lestics, o segundo, trazem uma essência parecida. Estão lá a sonoridade, as letras despidas de pretensão, embora altamente pretensiosas, pois jamais se nivelam no lugar comum. Momentos deliciosos em diferentes levadas, beirando o corriqueiro, entre arranjos magistrais de Umberto, que é um cara capaz de produzir mágicas sonoras em seu quartinho transformado em estúdio. Violão, guitarra, baixo, teclado, escaleta, efeitos, percussão, gaita e voz. É tudo executado pelo rapaz, com sensibilidade ímpar, que provoca uma sensação de aconchego em músicas que nos abrigam em dias e noites frias. Ou quentes. A competência da dupla - já conhecida no Gianoukas - se reafirma de forma ainda mais pessoal, em faixas como “O Mundo Acaba”, “Elefantes”, “Dois Olhos”, de 9 Sonhos. Ou na ironia de “Gênio”; na delicadeza apaixonada de “Luz de Outono” (“a eternidade vai um pouco além/do que eu costumo planejar/mas no pedaço dela que me cabe/ é com você que quero estar”); na densidade de “Náusea” ou na acidez desiludida de “Ùltima Palavra” (“A última palavra é sua, fique com ela pra você/os argumentos acabaram, resta o meu silêncio pra te convencer/ a minha taça está vazia e você não tem lágrimas pra oferecer/longe demais é o lugar que a gente vai pelo prazer de se arrepender”).
História - Lestics não tem Cd a venda. Tá tudo na internet para ser baixado. Se poucos ouviram, foram donos de ouvidos que repercutiram, inclusive em listas de melhores do ano; que passaram a boa nova adiante. Olavo conversou por telefone sobre isso tudo. Começou contando que matutava a vontade de fazer algo mais rápido desde que foi gravar as guias do Gianoukas no estúdio do Umberto. Rapídamente, se deu conta que o esquema de home-stúdio do parceiro era o canal. A idéia era gravar e mandar pra internet, sem estresse sequer com divulgação. Simples assim. “Ele topou de cara e chamamos os Gianoukas, mas eles tão em um esquema muito corrido, inclusive com outro disco da banda”, diz.
Duas semanas foram suficientes para as primeiras composições nascerem. Em menos de dez dias depois, tudo gravado. Mixadas, as músicas foram pra rede. “Tivemos poucas respotas, mas muito boas críticas. Quem ouviu gostou bastante”. No meio do ano passado, começou a segunda produção, um pouco mais calma.
As músicas precisavam também, conta Olavo, serem de fácil execução ao vivo, voz e violão ou piano, tava bom. Mas, como a fissura de estar no palco foi acalmada por vários shows do Gianoukas logo depois da estréia da Lestics, os planos mudaram. Serão shows em trios, quartetos, quintetos. Ou seja, os caras estão preparando um mini-coletivo, para que o grupo não dependa de nenhum músico. “Vamos pegar multiinstumetnistas e também temos vontade de ter convidados onde tocarmos”, conta .
Estilo de vida - Ninguém no Gianoukas ou Lestics vive da boa música que faz. Mas, nem pense em falar para Olavo que seus projetos musicais são robby. Porque robby é algo dispensável na vida, coisa que a música nunca foi nos dias de músicos como estes. “Fico passado quando ouço isso, porque é a minha vida. Infelizmente não ganho com isso, mas são escolhas. Até poderíamos ganhar sem nos prostituirmos, mas é preciso um tipo de envolvimento com o trabalho que não cabe em nossas vidas. E não gosto de ficar chorando as pitangas”.
O que ele ambiciona? “Continuar fazendo o que acredito e é vital pra mim; e ter um público, claro, que ninguém faz música autoral pra ficar escondido. Queremos ser ouvidos, mas a quantidade não tem importância”. O melhor é ter retorno que já estão tendo. “Muito downlouds, citação em páginas e até indicação em muitas listas de melhores do ano. Pô, diante da divulgação restrita isso é muito”, comemora.

Um comentário:

Anônimo disse...

só pra constar, o texto publicado no impresso é um pouco diferente, a começar pelo título, que achei poderia soar meio pejorativo. mudei no domingo, mas quem colocou no site, não se deu conta que havia mudança de edição. fiquei pensando: corriqueiro? definitivamente não é um termo bom pra definir Lestics, nem, gianoukas. eles são especiais, talvez o corriqueiro seja exatamente pela facilidade que eles parecem ter de tornar coisas do dia a dia em canções lindas, que soam tão simples.... ah, enfim... to divagando. gosto demais desses caras. (adri)