1/16/2008

Sangue novo

Estadão de hoje

Vem aí uma supersafra de bandas, estimulada por investimento em festivais e estréia do MySpace Brasil

Jotabê Medeiros


Moleza acertar previsões sobre o pop rock nacional para 2008. Por exemplo: 1) algumas das bandas novas mais interessantes serão gaúchas; 2) O rock de garagem vai dar as cartas de novo; 3) Híbridos de rock com funk carioca, moda de viola, baião, guarânia e xote serão uma constante; 3) Alguns entre os novos astros serão procurados por Caetano Veloso para uma palhinha na TV ou no palco.
Mas aí será picaretagem: essas previsões se realizariam também na maioria dos anos recentes. Ainda assim, é quase tudo verdade. Começando pelo mais óbvio: as bandas mais interessantes lançando álbuns novos este ano são gaúchas: Fantomaticos, Apanhador Só, Wonkavision e Superguidis, todas de Porto Alegre, estão no topo desse ranking.
Mas tem mais chegando de tudo quanto é rincão. Do Acre, afirma-se na cena do eixão Rio-São Paulo a notável banda Los Porongas; Curitiba, sempre pródiga em garotos que fazem sons esquisitos, revela os novatos do Goya e do Sopa, entre outros; do Ceará, já notabilizado em clubes paulistanos, agiganta-se o Montage, primeira banda de electro do Nordeste (que cresce no vácuo aberto por outros atos semelhantes, como o Bonde do Rolê, que se separou). O Montage teve um 2007 ruim: teve a entrada barrada na Inglaterra e seu palco no TIM Festival foi interditado. Mas já tem um batalhão de fãs.
Há outra previsão que dá todos os indícios de que vai se concretizar: 2008 vai ser o ano do rock independente no Brasil, uma das melhores safras de todas. Isso se explica por diversos motivos. O primeiro deles, curiosamente, vêm da ação do poder público.
Em outubro do ano passado, o Ministério da Cultura e a Petrobras divulgaram os projetos vencedores do 1º Edital Petrobras de Festivais de Música 2007. Foram escolhidos 24 festivais para receber entre R$ 60 e 200 mil (no total, R$ 2,5 milhões). Entre eles, notórios celeiros de bandas novas, como o Festival Calango, de Cuiabá (MT), o Festival Cultural Música Alimento da Alma, o Mada, de Natal (RN), o Varadouro, de Rio Branco (Acre), o Goiânia Noise Festival (GO), e o Humaitá Pra Peixe (RJ). É um respeitável empurrão.
Some-se a isso a chegada do MySpace Brasil, que já abriga páginas de bandas nacionais de todos os recantos do País, e temos já motivos para prever a ampliação do celeiro. É um ano quente para os independentes, e a emergência de premiações novas mostra isso. 'Reforçando: não valem artistas contratados por grandes gravadoras (Sony BMG, Universal, EMI e WEA)', diz o aviso do Prêmio Dynamite de bandas independentes que convoca jornalistas e crítica especializada para indicar os destaques de 2007.
Um dado bacana é que os novos guerreiros do pop rock demonstram uma consciência mais ampla e desopilada do seu papel no universo musical. 'Que ninguém mais fique esperando por um diretor artístico que o 'descubra', que o contrate a peso de ouro, que lhe dê um carro e um apartamento no Leblon para que grave um disco. Não vai acontecer. Agora, é preciso fazer música porque se ama a música, e não para virar um pop star', afirmou Diogo Soares, vocalista da banda Los Porongas, um dos melhores novos atos da cena brasileira, durante debate na ONG Cidadão do Mundo, em dezembro.
A banda de Diogo emergiu de uma situação de exclusão dupla: longe demais das capitais do eixo Rio-São Paulo, longe demais de todas as outras, ele lembra que o Acre, durante a revolta da vacina, em 1904, era o lugar para onde os revoltosos eram mandados como uma forma de exílio. 'Era um lugar para morrer', disse.
Mas o que poderia parecer handicap, deficiência, torna-se trunfo em Los Porongas: com uma levada que lembra uma mistura de Chico Science com Secos & Molhados, um sabor diferente de tudo que se vê por aí, eles vão fazendo seu caminho.
Augusto Stern, vocalista do grupo gaúcho Fantomaticos, uma das mais agradáveis notícias que vêm do Sul, não se deslumbra com o admirável mundo novo que se abre para as novas bandas brasileiras. 'As facilidades que temos, como a internet, o mp3 e o homestudio, ajudam a formar novos músicos, muitos deles, mas o que faz uma banda se destacar continua sendo o que sempre foi, a tecnologia é apenas um meio. Uma banda realmente boa vai acabar dando certo, esteja o cenário bom ou ruim', afirma. 'Um dos problemas é que bandas muito boas acabam sendo colocadas ao lado de outras nem tanto, pois a internet 'padroniza' tudo. Agora, também é ótimo poder gravar um som em casa e colocar no mesmo dia no MySpace.'
O grupo lança nos próximos dias, pela Pisces Records, de São Paulo, seu primeiro álbum, Fantomaticos no Bosque. 'Gravamos tudo por conta própria com os nossos equipamentos - simplesmente pegamos tudo e fomos morar durante 40 dias numa mansão abandonada que um amigo emprestou', conta.
O velho e bom rock'n'roll à moda setentista continua dando as caras. O guitarrista Rodrigo Casais Gomes, da banda paulistana Tomada, está com os colegas (Marcelo Bueno, baixo; Ricardo Alpendre, voz; Alexandre Marciano, bateria) em estúdio produzindo o seu terceiro disco, o primeiro com a formação atual. É uma das boas bandas do gênero. 'Eu nem sei seu nome/Meu Deus, que mulher!', diz a letra de Meu Deus, Que Mulher!.
Criaturas estranhas psicodélicas aparecem todo dia no novo cenário. Criaturas como as bandas Sopa e Goya, de Curitiba. O quinteto Sopa usa instrumentos como xilofone e gaita de boca, e o resultado é altamente experimental e psicodélico. Em 2234, usam até um theremin para obter a sonoridade esquisita que buscam. Já o Goya vai buscar suas referências em um mundo sonoro sofisticado e viajante, como a música de Frank Zappa, Miles Davis e King Crimson.
Ninguém tem mais pudor de experimentar e ser escancaradamente pop. É o que mostra a escalação do palco Tendências, do Festival de Verão de Salvador. Ali, comparecem desde a axé descarada do Chica Fé, que tende a ser hit do carnaval com Eu Quero Ter Você ('Vou trocar meu colar por um beijo') até o altcountry acústico do Aguarraz e o pop arredondado do Cof Damu.
Emergindo já como bandas grandes (entendendo-se 'grande' dentro da nova perspectiva indie), estão grupos como o Wonkavision e o Vanguart, de Mato Grosso. O powerpop dos gaúchos do Wonkavision - formado por Will (vocais e guitarras), Manu (voz e teclados moog) e Kiko (bateria)chega a 2008 com um disco produzido por John Ulhoa, do Pato Fu, que tem se mostrado um novo Rei Midas da produção nacional.
Já o Vanguart está mais do que reconhecido e aclimatado - trocaram Cuiabá por São Paulo recentemente. Boa guitar band que, em vez de se mirar no mesmo espelho de seus contemporâneos, o espelho dos Strokes, foi atrás do folk e altcountry de grupos como Wilco, sem descuidar das referências regionais. Bela banda.

Um comentário:

Anônimo disse...

que massa! que seja um grande ano pra todos. estamos mais que precisando. mais que na hora.