8/17/2007

No meu peito, um vulcão

Jornal do Estado

Claudette Soares presta sua homenagem a Tom Jobim em um belíssimo disco, Foi a Noite, lançado pela gravadora Lua Music


Adriane Perin

Toda vez que uma cantora brasileira é saudada como a “nova MPB”, me bate uma imensa desconfiança. Me preparo logo para uma suposta sofisticação calcada em uma técnica vazia e excessos vocais. Infelizmente, na maioria das vezes, o que ouço é uma música fria, sem calor algum na interpretação. Prefiro aquelas que o tempo fez divas - e não as que nasceram acreditando serem uma. Aquelas, mais discretas, são centradas na música, o “show”é conseqüência. Esse eterno “pós-elis” e “pós-marisasmontes” que a mídia mostra como algo novo, dá uma saudade das ditas grandes cantoras. Pré ou pos- bossa-nova, mulheres como Alaíde Costa, Dolores Duran, cantando, é o que me interessa. É o que tira o pé do chão, diante de uma entrega tamanha que toma conta da vida da gente e não deixa nada mais ser tão importante quanto a canção que expõe a alma do artista diante de ti. O tempo que passa, também me distancia dessas novas cantoras para aproximar de veteranas que conheci, de verdade, quase tardiamente.

Um desses casos me cai nas mãos de um pacote cheio de Cds, enviados pela Lua Music. Foi A Noite – Canções de Tom Jobim é a homenagem de Claudette Soares a Tom e a Sylvinha Telles. Em plena manhã de segunda-feira, esse disco embalou a volta ao trabalho, fez dar uma pausa na pilha de rock, para me deleitar com uma interpretação forte, entre arranjos instrumentais perfeitos em sua sofisticação que não se traduz em virtuosismos gratuitos.
Claudete Soares tem aquele jeito de cantar de quem quer um “dedo de prosa, ao pé do ouvido”, como que contando a bela nova percebida pelo compositor. Se ter uma canção de Tom Jobim, é meio caminho andado, esses passos podem também levar pra trás, pois a dificuldade de lidar com uma obra imortal como estas, é proporcional. Cantar Tom Jobim, que canta como ninguém suas próprias composições, é muito difícil. Noto isso claramente, agora que a tal maturidade começa a se sobrepor às inquietações em alta velocidade da juventude e a aprimorar os ouvidos para as sutilezas da música brasileira, também em outros ritmos. Já posso aquietar e emocionar-me sem nenhum pudor. Me entregar embalada por Claudete, que é capaz de reavivar uma letra tão conhecida quanto “Sabiá”, na companhia de Alaíde Costa, sua convidada mais do que especial. Posso encostar o rosto cansado no ombro de uma canção carregada da dor e da alegria dessas duas - e não só delas. Mas também, ouvindo “Retrato em Branco e Preto” (impossível não lembrar do próprio Tom a cantando...), “Cala, meu Amor”, “Andam Dizendo”...
É um disco daqueles para acordar, abrir a janela – e “ouvir cantar uma sabiá” - e deixar a música sair para o quintal, pra que também o vizinho sinta essa vontade doida de dançar essa canção de levada romântica, que faz pensar tanto na vida. Para que também ele perceba, que precisa de um tempo, sentar e, com calma, degustar canções como estas. No texto de apresentação, Aldir Blanc lembra a primeira vez que ouviu Claudete cantando e, quieto, chorou. Penso nisso, enquanto procuro o jeito certo de falar dos efeitos de uma música assim no dia da gente. E fico com a certeza de que, quando pessoas como esta cantam, a nós, resta o silêncio. Um silêncio que parece, às vezes, do tamanho dessa existência, que chega trazendo todo o peso das tristezas e das saudades, mas também de um dia bonito, junto das pessoas que a cada dia ficam mais importantes na vida da gente.


PS: (Comentário/apresentação do blog: belíssima resenha escrita pela Adri para o JE sobre o disco da grande cantora Claudette Soares, que como muitos artistas deste País, mesmo esquecida pela mídia, continua fazendo um trabalho de altíssimo nível. Não por acaso, a resenha emocionou a própria Claudette, que fez questão de mandar um recado pra Adri, dizendo que há muito tempo não lia um texto com essa profundidade e entrega, e que é esse tipo de reação que a faz querer continuar cantando. Parabéns Adriane. Isso é pra você parar de falar certas besteiras que eu as vezes tenho que ouvir sobre o jornalismo que você faz.) Ivan

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