Jornal do Estado/Bem Paraná
Mesa redonda de hoje, na Bienal do Livro reúne Arnaldo Bloch e Ruy Castro,que deu uma entrevista por email. Fernando Morais teve que cancelar sua participação por questões relacionadas a seu novo trabalho
Adriane Perin
A 1.ª Bienal do Livro de Curitiba segue até dia 4 de setembro com muitas opções; nas manhãs e tardes, voltadas à educação e também conversas descontraídas no Café Literário. Os começos de noite oferecem mesas-redondas e, depois, pocket shows e . Hoje, o assunto é biografia, com participação de Arnaldo Bloch e Ruy Castro. Fernando Morais, infelizmente teve que cancelar sua participação por questões relacionadas a seu novo livro. A mesa foi batizada de “Biografias: Vida Privada, Bisbilhotice, Marketing, Exemplo, História” e começa às 19h30, em um dos anfiteatros do ExpoUnimed, que abriga os encontros e os stands da Bienal (que, infelizmente, ficaram devendo para que esperava encontrar alternativas ao que está nas livrarias).
Ruy Castro respondeu algumas perguntas por email.
Jornal do Estado — O que você considera mais dificil para um biógrafo brasileiro. Me parece que possíveis biografados são arredios e falta compreensão de que suas histórias são também de interesse público.
Ruy Castro — Não posso falar por outros biógrafos e por seus biografados. No meu caso, nunca tive problemas no começo do trabalho - mesmo as filhas do Garrincha [com seus maridos, que eram quem mandava na história] pareciam muito contentes em saber que eu estava biografando o pai delas e, dentro do pouco que sabiam sobre ele, colaboraram bastante nas entrevistas. Depois, quando o livro estava para sair, seus advogados vieram com aquele processo. Ou seja, houve má fé deles na jogada. Mas não vejo personalidades arredias. Ao contrário, vivo recusando “encomendas” de gente famosa e importante que gostaria que eu os biografasse. Não entendem muito bem quando digo que não aceito encomendas, muito menos de vivos.
JE — Por outro lado, também tem muitas biografias servis. Nas estrangeiras o que se vê é o esmiuçar das vidas dessas personalidades de uma forma impressionante, sem a preocupação de se algo vai denegrir a “imagem” do biografado. Por exemplo, na de John Lennon, o autor diz que ele tinha tesão pela mãe. Na dos Rollings Stones, as brigas entre os integrantes são abordadas sem meios termos. Já na biografia do Renato Russo, por exemplo, publicada recentemente, o autor não trata do homossexualismo, assumido, do compositor, nem do filho que ele teve com uma pessoa de quem não se sabe nada direito. Posto isso, quais são os limites de um biógrafo? Como se relacionar com quem “guarda a imagem da pessoa pública”?
Castro — Mas a “biografia” do Renato Russo será uma biografia ou um livro de fã? Favor não confundir. Assim como a maioria das “biografias” que se publicam por aqui - é tudo livro de fã. Para um biógrafo de verdade, o único limite deve ser: Essa informação é verdadeira? E tem relevância na narrativa? Se as duas respostas forem sim, ele deve publicar.
JE — Acho que o Brasil tem muitos possíveis biografados ainda - mas proporcionalmente poucos “biógrafos profissionais”. É um nicho de mercado que ainda tem muito o que render, não achas? O consideras mais importante amadurecer neste segmento? E em relação ao público?
Castro — O biógrafo precisa ter a confiança do seu editor e algum dinheiro para trabalhar [porque é um trabalho que exige tempo integral]. Quanto ao público, precisa ser instruído sobre o que é uma biografia, um perfil ou uma memória. [Por exemplo, o belo livro da Helena Jobim sobre seu irmão Tom, O homem iluminado, não é uma biografia, mas uma memória. A de Nelsinho Motta sobre o Tim Maia, de certa maneira, também]. E os resenhistas dos jornais precisam parar de resenhar o personagem e passar a resenhar a biografia.
JE — O caso do Roberto Carlos foi emblemático, é difícil não falar dele.
Castro — O caso desse livro é um equívoco só, a começar pelo próprio livro. Antecipei para o Paulo César Araújo o que aconteceria - e, infelizmente, aconteceu. Fez um livro todo a favor e mesmo assim foi perseguido, como previsto.
JE — O que você acha que pode acontecer, legalmente falando, depois do episódio da proibição do livro?
Castro — Acho que nada vai acontecer. O livro só voltará às livrarias se o Roberto Carlos “deixar”...
JE — Qual foi a sua biografia mais difícil pra você fazer. Por quê?
Castro — Disparado o Carmen - Uma biografia. Pela dificuldade de encontrar pessoas que tivessem convivido com Carmen Miranda enquanto ela morava no Brasil. Essas pessoas precisariam ter pelo menos 19 anos em 1939, que foi o ano em que ela foi embora para os Estados Unidos. Ou seja, precisavam ter nascido até 1920.
Como tive a idéia do livro em 2000, significa que, naquele ano, seriam pessoas de 80 anos para cima. E onde eu ia encontrar tanta gente com essa idade, que tivesse conhecido a Carmen Miranda e estivesse lúcida para falar?
Pois, no decorrer de quase cinco anos, encontrei dezenas de pessoas.
JE — Como é que você faz a escolha de alguém para ser seu biografado? Já teve muito problema para ter acesso a materiais?
Castro — Escolho um biografado pela admiração que tenho por sua obra e pela curiosidade que tenho por sua vida.
Como disse, o maior problema que tive no “Carmen” foi levantar material sobre sua fabulosa fase brasileira — sua infância na Lapa, sua vida de adolescente e tudo que ela fazia antes de se tornar cantora. Nesse sentido, cada descoberta - uma frase, um fato, um endereço — era uma vitória. A parte de sua carreira internacional foi comparativamente mole de fazer.
JE — Uma coisa legal de biografia é que quase sempre o autor acaba fazendo também - e levando o leitor com ele - por um passeio também pela época do seu “personagem”. A pesquisa para o livro sobre a Carmem Miranda foi a mais dificil que teve que fazer?
Castro — Foi, com o disse. Mas, pelo menos, eram cenários que me apaixonavam e com o qual eu já tinha uma certa intimidade: o Rio dos anos 20 e 30 e Nova York e Hollywood dos anos 40 e 50.
JE — Quer continuar fazendo biografias?
Castro — Sem dúvida. Mas só voltarei a elas se me der um estalo e surgir um novo personagem que me apaixone tanto quanto os que já biografei — Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda.
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