8/08/2008

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A menina nem piscava, olhos arregalados brilhando, diante do senhor de, poucos, cabelos brancos, que contava a história tantas vezes ouvidas, de como (não) estudou, com a irmã mais velha, de quem fugia junto com o irmão gêmeo, das aulas. E Catarina ainda conseguia ficar assim, diante da ainda imponente figura que viu por uma vida inteira como um guia e mentor, quase 40 anos depois. De volta àquela cidade empoeirada, a pegou dormindo, rodoviária nova, vazia. Só o motorista do ônibus que teve de acordá-la, já que ela não identificou que havia chegado em seu ponto de parada; e um outro rapaz madrugueiro no trabalho, junto com um taxista que se escondia do ar gélido que não foi impedido pela cimento de entrar no amplo ambiente.
Cachecol colorido, cabelos desgrenhados, pegou a bagagem e perguntou por um taxi. Em que parte da cidade eu estou? “ no Parque do Bosque”. Ainda perdida, pensou que estava mais pros lados do cemitério da cidade, tentou se situar e só conseguiu quando avistou a longa avenida que dava na velha casa, agora de portas fechadas. As obras deixavam o antigo barro vermelho espalhado, seco, pelo paralelepípedo, não da calçada, mas da avenida com nome de governador.
Aos poucos, foi acordando, identificando a cada quadra alguns lugares conhecidos, quase todo com novos estabelecimentos. A loja Zortea, de materiais de construção, o antigo mercado Centauro, onde o avô sempre fazia sua paradinha pra uma longa conversa com algum conhecido; o posto de gasolina. Depois a antiga borracharia do outro avô e, à frente, o morro que lhe rendeu alguns pesadelos e que não suportava subir de carro, por medo que ele não vencesse a subida. Invariavelmente, fechava os olhos e enfiava o rosto, apavorado, no banco pra não ver a subida. Um riso nostálgico escapa enquanto o taxista vai contado a boa nova, a instalação de campus da Universidade Federal, que vai valorizar muito o lugar.
O taxi segue adiante, chegando a casa dos Sonda, o antigo Poeira, como era chamada a zona (de putas mesmo, que era assim que eram chamadas, nem sempre com desrespeito) vizinha e chegamos ao trecho que era de terra, lama que sujava os calçados rumo a escola. E logo ali, a casa da Ju, da Dina, do Julio e do Aldo Pereira, o primeiro que a ensinou a empunhar um violão (não que ela tenha aprendido...).
Em frente, a casa da tia, seu novo destino. A casa que foi construída quando ela ainda morava lá e oje abriga algumas das pessoas que Catarina mais ama. A outra casa, onde cresceu, tá lá, guardando toda a saudade dessa vida. Nem Catarina se atreveu a entrar, desta vez.
Silêncio. Até os cachorros dormindo. São 4 da matina. Catarina está de volta e as próximas 24 horas serão de muitos silêncios, mesmo no meio das conversas e fotografias, diante daquele senhor de incríveis olhos azuis e mãos grandes, que já não fala como antes - de quem ela nunca vai cansar de ouvir as histórias, mesmo as já tão conhecidas. e diante de quem seus olhos sempre estarão atentos, querendo ser cúmplices de tantos e tão intensos sentimentos, mesmo sabendo que, talvez, isso já não seja mais possível. (adri)

Um comentário:

Anônimo disse...

essa foto parece a capa de "dias"