5/16/2006

NÃO VOU MORRER NA MINHA KITCHENETE

O texto mais interessante sobre o que aconteceu nos últimos dias em SP saiu hoje na Folha. Taí. Mais uma vez o Mário disse tudo. assino embaixo. os caras só lembram da violência quando ela atinge a classe média ou quando acontece algum evento desse. no dia a dia, a bala come solta por aí e ninguém tá ligando. se quisessem mesmo resolver, já teriam feito. Acontece que como bem diz aquele ex-chefe de Polícia do RJ naquele documentário notícias de uma guerra particular, do João Salles, a classe média quer essa polícia (ou política, ou justiça) corrupta que está aí. Porque o dia que a polícia não for corrupta, e para de matar apenas pobre, preto e favelado, são os bacanas engravatados que vão ter que começar a dançar. e aí eles não vão querer. Por isso, as leis são feitas pra protegê-los. Pro resto, tem as armas.

O curioso é que o texto do Mário saiu justamente na página ao lado da que tem como destaque uma matéria intitulada "Está inaugurado o terror nos Jardins". Ou seja o problema, todo dia morre gente no Capão Redondo, mas neguinho que tá lá na Daslu não tá nem aí. Entenderam o que eu disse...


Não vou morrer na minha quitinete

MÁRIO BORTOLOTTO ESPECIAL PARA A FOLHA

A ordem agora é morrer nas próprias casas. Uma das frases que mais me marcaram nas últimas semanas foi justamente a frase dita por Sara Joanna Gould, uma americaninha de 21 anos que tá fazendo intercâmbio no Brasil. Ela falou pra Revista da Folha: "O que me surpreende não é a pobreza, comum na América Latina, mas sim a riqueza, o número de milionários em um país como o Brasil".Sacaram? Vocês que agora estão escondidos em suas casas, com medo de saírem às ruas pra tomar uma inocente cerveja ou pra ir a um cinema depois de um dia cansativo de trampo e pavor? Vocês sacaram que isso que vocês estão passando nesse momento é rotina nas favelas cariocas? O toque de recolher, o abaixar as portas, o rezar baixinho pra que ninguém ouça. Às vezes tão baixinho que nem Deus ouve.E a gente faz de conta que tá acontecendo longe daqui, num país distante de alguma fábula de terror. E agora você tá vendo os busões incendiados, as estações de metrô metralhadas, e você tá dentro do trem fantasma.E você pergunta pra mim o que eu penso disso? Eu não sou político, não faço parte de nenhuma igreja, não sou banqueiro nem empresário. Não lucro com nenhuma espécie de proibição. Mas tem gente lucrando, não tem? O pouco dinheiro que ganho trabalhando é pra pagar as contas e comprar livros. E você vem perguntar pra mim o que eu acho disso? Você acha que isso aí é só uma guerra de polícia e bandido?Faz a autópsia da situação, brother. Com atitudes meia-boca não vai acontecer nada de fato. Não vou gastar meus 1.600 toques com palavrório empolado. Libera tudo, meu irmão, divide o bolo, libera as drogas, a pirataria e a putaria, deixa todo mundo trabalhar livremente e ser o dono de suas próprias vidas.Oportunidade pra todo mundo melhorar de vida. Iguala as condições pra batata não assar. Mas é claro que isso não vai acontecer, não é? Então não perguntem pra mim o que acho disso. Nunca perguntem para alguém libertário como eu o que acho de algo assim. Você tá com a bunda no inferno e quer manter a dita refrigerada?Eu tô em casa, mas prefiro optar por não morrer aqui. Ainda posso fazer isso. Vou sair pra tomar uma cerveja. Se eu ainda tivesse um pai, arrastava ele comigo. Meu nome é Mário Bortolotto e não existe nada de que eu goste mais do que um pingado e um pão com manteiga depois de uma noite de sinuca.

Mário Bortolotto é dramaturgo, diretor de teatro e ator

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