6/21/2009

Efeito Arnaldo Baptista



Jornal do Estado/ Bem Paraná

Adriane Perin

Quando Paulo Henrique Fontenelle ficou cara a cara com Arnaldo Baptista algo mudou na percepção que ele tinha dessa figura de importância única na música brasileira. E quando ouviu o disco Lóki, foi a vida do cineasta que mudou. É sobre Arnaldo o premiado documentário, Lóki, de Fontenelle, o grande destaque da nova programação de cinema na cidade, em cartaz no Unibanco Arteplex, rede responsável pela exibição Brasil afora desta que é a primeira produção do Canal Brasil.
Tudo começou, contou Fontenelle, em 2005, quando produziu uma edição do programa Luz, Câmera, Canção para o Canal sobre o ex-Mutantes. Aliás, contou também, isso é uma das poucas coisas que sabia a respeito do figura. Quem era fã mesmo era André Saddy, gerente de marketing do Canal Brasil, que encampou a ideia e assina a produção do longa documentário. “Quando fui para Juiz de Fora falar com o Arnaldo fui ouvindo e lendo artigos dele. E me chocou encontrar um cara feliz da vida. Ao apertar a minha mão, tinha um daquele negócio de choque de brincadeira”, conta o diretor, que se surpreendeu porque a imagem que se passava do músico ainda era a de um cara desequilibrado, que gostava de viver isolado depois de ter tentado se suicidar. Isso não é verdade. Arnaldo não quis se matar, no confuso episódio da tentativa de fuga de uma clínica de reabilitação. Ele realmente pisou fundo em sua sanha de descobrir a si mesmo na arte, e teve seu afundamento nas drogas, como praticamente boa parte de sua guerrilheira geração. Mas, nunca quis morrer. Foi com o intuito de fugir desses e de todos os outros estereótipos que Fontenelle mergulhou na busca pela “verdadeira história” desse cara genial que marcou profundamente a música mundial – não foi só a brasileira, como tantos artistas estrangeiros reconheceram depois. “Aquela primeira entrevista foi bem interessante”, lembra o diretor. “Duas horas na quais conheci a maneira dele pensar, como é de verdade; perceber que respondia coisas que pareciam inicialmente nada a ver, e no final faziam todo sentido”.
Voltou fascinado. “Passei aquele ano buscando imagens, quase um ano atrás do material para o programa de tv. Quando mais lia mais ficava fascinado; e ouvir o disco Lóki foi uma revelação na minha vida. Impacto igual só tive aos 10 anos quando ouvi Raul Seixas”, lembra. O programa que deveria ter 20 minutos ficou em meia hora, mas muito mais havia a ser dito e mostrado, o diretor estava convencido. “Em mim ficou um vazio imenso e comecei a remontar e aumentar o programa pra mim mesmo”. Novamente, uniu forças com André e o projeto se desdobrou com o aval do Canal Brasil, no longa que vamos assistir hoje. “Como nós dois trabalhamos no Canal Brasil e o pessoal também gostou do programa e da proposta de filme, fiz o roteiro, mandei pro Arnaldo que também adorou e assim foi”, conta.

Lembre leitor: os Mutantes ainda não tinham voltado e Arnaldo, embora um pouco mais em evidência, ainda vivia meio esquecido. Mas, nesse meio tempo, Os Mutantes voltaram sem Rita Lee – que segue com esse machucado aberto, recusando-se solenemente, a tratar do assunto. “A primeira filmagem da nova fase acabou sendo o final do filme, a gente acompanhando Arnaldo no primeiro show da volta e andando pelas ruas de Londres”. Também lá em território, conta Fontenelle, ele foi reconhecido várias vezes na rua. “Ele tem uma cultura imensa, é impressionante; andar com ele foi uma aula de História da Inglaterra. Um americano emocionado disse que tinha vindo da América só para encontrar com eles”, lembra.

Alternativos – Tema diferenciado, produção independente sem apoio de nenhuma lei e bancada por uma canal de televisão nacional. Só isso já vale os méritos do trabalho de Fontenelle, mas ele teve bem mais reconhecimentos. Todas as sessões foram cheias de emoção e prêmios. “Foi um projeto muito barato, com uma equipe de 4 pessoas se desdobrando em todos as funções”. A primeira versão fechou com 2h40, resultado de 500 horas de imagens colhidas e “montadas em meu laptop em um mês e meio”. O primeiro corte foi para o cinema com um custo de R$100 mil. “Fiz um grande esforço para cortar os 40 minutos excedentes e quando vimos foi aquela comoção, primeiro no Festival de Cinema do Rio, onde, na presença de um Arnaldo muito emocionado, fomos aplaudidos em pé por 10 minutos. Todo mundo muito emocionado. Na semana seguinte, quando a cópia chegou ao Festival de São Paulo os ingressos estavam esgotados”, conta. “E por onde passou foi sempre essa emoção muito forte”. A ponto de o Canal Brasil mudar o plano inicial de lançar só em DVD. “Surgiu uma campanha na internet. O pessoal xingava o Canal Brasil por não colocar no cinema”.

Hoje, conta, são 17 fitas que, garante, vão percorrer o Brasil todo. Mas, ainda existe uma certa tendência em ver Arnaldo Baptista como uma figura exótica, o que o diretor rejeitou desde sempre. “Procurei fazer filme oposto disso, tirar todos os estereótipos, mantendo todas as contradições e erros e belezas de uma pessoa que é incrível, e esquecer qualquer referência à loucura, que costumam associar a ele”, fala.
Mas, teve gente próxima dessa história, e não só Rita Lee, que não falou ao diretor. Que Rita Lee não quer falar disso todo mundo sabe. Mas, ele tentou também falar com o outro irmão Dias, Claudio César, o gênio da eletrônica que desenvolveu os equipamentos que os irmãos precisavam para seu som e o mundo ainda não tinha para lhes dar. “Ele fez tantas exigências absurdas e queria cobrar pelas entrevistas que deixamos prá lá”, conta o diretor e completa. “Acho que foi uma oportunidade de muita gente fazer uma análise da relação que teve com o Arnaldo. Muitas perguntas perdidas e marcas do passado foram curadas com este filme. Tem uma entrevista muito bonita do Sérgio Dias, na qual ele pede desculpas publicamente a Arnaldo”. Sobre Rita, que faz show neste final de semana e ignorou as perguntas sobre os Mutantes: “Tomara que ela veja o filme”.
Imagens — Fontenelle ressalta ainda a quantidade de imagens inéditas, por exemplo, com a Patrulha do Espaço, banda que Arnaldo fundou logo ao sair dos Mutantes – e que tocou, captaneada pelo batera Rolando Castelo Junior mês passado em Curitiba. “O material estava totalmente espalhado, foi um trabalho de chinês achar tudo. Percorri toda as televisões e cinematecas e está tudo bem bagunçado. Triste foi ver tanta coisa que se apagou pra gravar futebol em cima. Na Record, por exemplo. Achei muita coisa cadastrada errada, até como Amado Batista. Como já previa isso, achei coisas raras. E também tenho que agradecer aos fãs que ajudaram muito nisso, dando pistas de onde podia encontrar algo”.

É bom ver a História musical brasileira sendo desvendada, um nicho de mercado audiovisual – e biográfico – que ainda tem muito a render. Fontenelle vai contribuir um pouco mais. No próximo mês ele apresenta um DVD sobre o Ritchie. Vai ser com ele tocando em estúdio, mas meio documentário. “Bacana é que quando se conta história da música ou artista, se conta a história do país também e das nossas próprias vidas”, finaliza.

2 comentários:

Carlos Remontti disse...

porra, classe o texto, hein don'adri! Já tava a fim de ver o documentário, agora então, imperdível! Valeu a dica. Bêsso aqui de Óz.

Flávio Jacobsen disse...

Matéria de prima.