1/14/2014

cachorro

ah, vou comer um sanduíche de mortadela, ainda tô com fome. Um chocolate quente, um filminho bobo que já vi, na tevê, e assim essa terça com cara de domingo vai passando, quente no sol, sob o céu azul, mas fria na sombra, sob o mesmo céu azul. Minha cidade é assim, ela resiste ao calor. Gosto dela assim. Saio a caminhar, tem parques lindos, ouvindo música ou o som das ruas, conversas de ônibus divididas com todo mundo. 
Ou fico em casa.
Sentada na frente da televisão, sozinha em casa, laptop nas pernas, prometo a mim mesma, outra vez. Cada dia, um.
Volto e o cachorro que mora no ponto de ônibus se aproxima, de canto de olho, até parece que quer sentar ao me lado. Mas, claro que ele não quer. Embora me conheça pouco, sabe que tenho um cachorro também, que ao menor sinal de aproximação começa a latir enfurecidamente. O cachorro magro sabe que no fundo meu cachorro não faria nada, mas respeita o território, não tá interessado em mais problema além dos que já tem. 
Então, ele só aproveita quietinho, acho que na esperança de que sobre algo pra ele.
Ele tem pêlos pretos, brilhantes. 
No início eu achava que ele vinha acompanhar o dono no ponto de ônibus e ficava esperando. Ele vinha no portão, andava um pouco atrás de mim, ou de outra pessoa; se recebesse o mínimo sinal de aprovação, continuava. Uma expressão tranquila e um olhar fundo quase me fazendo congelar, às vezes. Eu entrava no ônibus e sentia ainda por instantes que ele me procurava – do mesmo jeito as vezes que nos encontramos na volta, ele ia até a beira da calçada, me olhava atravessar a rua, no portão eu dava  virava pruma olhadinha e lá tava ele, como que esperando um mínimo sinal de convite pra seguir em frente. 
Tenho que tomar cuidado, porque me entrego logo a estes olhares sedutora e docemente levianos, pedintes. Me entrego à carência dos outros, sem modos, esparramada e desajeitada. 
Mas, meu amigo canino não sabe nada disso. Nem o quanto me bato, me escondo e me arregaço em palavras que jamais encontro.

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