11/03/2012

Grosso Calibre – Discos Raros

Algumas cenas marcam a gente. Eu lembro exatamente do instante em que vi o disco do Rodrigo Garcia em cima da mesa de redação na Gazeta do Povo. Voltara de alguma entrevista e aquele disco largado na mesa me chamou no instante em que larguei a bolsa e me preparava para empunhar o computador. Com uma capa horrível, escrita apenas: Grosso Calibre. Milênio.
Nome da banda, do artista, do disco???? Virei e reconheci a foto do carinha figura que circulava pelo James, amigo de alguns amigos. Não tinha ideia do nome dele. Peguei o cd sem dono e coloquei pra ouvir, curiosa. Não sabia que o carinha tocava, tinha banda, nada disso.
E como é bom se surpreender assim! Curti o disco logo de cara, ficou claro que era boa coisa mesmo na correria da redação, na primeira ouvida. Gostei do jeitão meio cru, a voz pra dentro e meio abafada. Essência, pra mim, as letras conseguiram minha atenção e o jeito de cantar também. No interno do encarte, uma confissão de inadequação.O encarte usa um desses modelos prontos de computador e foi uma unanimidade nas conversas, a sua ruindade. Já as canções, os poucos entendidos que ouviram concordaram comigo: pequenas preciosidades se escondem neste, que eu considero um dos melhores discos já feitos em Curitiba. E um dos melhores produzidos na chamada música alternativa brasileira. E na trilha sonora da minha vida ele tem lugar cativo. É um daqueles discos “para onde” preciso voltar de tempos em tempos.
Começa com “Maria Madalena”, foi aí que esse jeitão largado, esse “jeitão miserável” de cantar, todo largado, me pegou. Coisas assim:

(...) “ como eu ia dizendo ontem minha filha era virgem e queria um rapaz pra se casar” (...) “... sabe como é, é que esse mundo é tão grande... e o seu valor é imenso... se para, eu desço aqui, na hora..” Uma certa sabedoria latente: “não é possível vencer a maré, pois ela está agitada. (...) eu aprendi a nadar com a maré, me carregava na costas .. Irei viver esta hora, pequena fração despercebida, não vou esquecer de me entregar.. e o resto eu deixo pra depois... e o resto eu deixo com você... os que deixei... ” (A Maré)

Sequencia matadora: “Costumo ser pedra que cai, o ar se foi, sol que se vai... sou filho da vida... e você? Com quem andas, o que pensa, onde vai? Não me diga que sabe como escapar do dia de cada dia... vai moldando e toma conta de tudo... os seus lábios tocam minha testa... e quando isso acontece eu me sinto bem num lugar sem saída.. me diga com quem vc aprendeu a melhor parte da vida... eu não sou mais um mortal proletário - sem saída... estamos aí pro que der e vier, cada um cada um, esteja onde estiver de braços cruzados ou com a mão no peito sem preconceito não vou me curvar pr’essa vida...”(Devoto de São Judas).

Outra sequencia matadora “Se já não querem nada, não querem nem destino, me dizem que são jovens, que vão envelhecer, pois concordo com eles, que meio entorpecidos vão buscando o amanhã (...)acreditar que a vida não está comprimida num planetinha pequeno azul, em um só, não. alguns talvez, ou até mais. (...) Eles estão aí como um milhão de ordens e a ordem está escrita na mente de cada um... a seita não profana apenas acalma um pouco a dor... é ,meu, há monstros aí. Afogue eles! (...)Onde estão aqueles lugares que embalaram seus sonhos que fizeram amadurecer, então vamos querida, deixe pra trás a vida, que é pra poder viver assim” (Calango Armado)

Uma vida real pulsando: “eu só quero entender o que a vida me mostra, onde vou aprender/ eu só quero saber o motivo de tudo (...)mas me faça viver em horas transparentes (...) E o mundo está assim porque ninguém mais quer acreditar na força de uma vida, eu quero entender, eu quero saber/eu quero lutar/ não quero morrer/ não quero sair/ não quero sentir... eu quero viver, eu quero amar, que quero aprender (...) é o sopro da vida. Quem não sabe como escapar... venha me buscar... pra onde todos possam suar a camisa para ganhar o pão.. aqui não há mais vida, eu quero sonhar, eu quero lutar, quero aprender, quero me virar, quero ter um futuro na vida... Não é fácil entender porque uns nascem pra viver, não é fácil entender porque uns nascem pra sofrer. Eu quero sonhar, que quero um lugar, quero aprender...” (Um voto A favor)
Disco moderno, com clima Television aqui, bossa nova ali. Muito do que uma moçadinha antenada sonhava fazer e fez depois, tá aqui. Não achei a data do disco, mas ou é final de 99 ou dos primeiros anos 00.

Grosso Calibre ou Milênio este disco é uma preciosidade que ficou perdida, pouco ouvida e um dos mais belos momentos da produção local. Rodrigo Garcia não fez nenhum outro disco, se apresentou uma vez no James, abrindo pro OAEOZ. À convite da De Inverno ele espalhou suas folhas de caderno com as letras. Quase ninguém entendeu nada! Mas, foi um momento especial. Talvez um dia eu ache algum registro disso. NO disco, Rodrigo tocou guita, baixo, bateria e percussão, além de cantar e assinar as letras. Ou seja, fez tudo. É um disco de compositor. A despeito de que ele reclame de questões técnicas, do que poderia ter mudado e tal, do seu jeito de cantar, esse álbum é de uma entrega que me emociona sempre que ouço. Teve participação especial de Rodrigo Ribeiro (o Tio Zé), Alex Lourenço, Bhorel. Pelo que sei, Rodrigo Garcia viveu anos no EUA. Chegou a circular uma notícia de que ele estaria de volta, com a mulher e a filha. Nunca mais encontrei o figura, mas a música que ele fez e registrou nesse disco volta sempre a tocar aqui em casa. É um daqueles discos que me faz pensar sobre o que sou e de onde venho!

2 comentários:

Gôdje disse...

Caramba! Anos depois achei algo na internet.... Eu cheguei a criar a comunidade no tempo do Orkut.. Há mais de 10 anos atrás.. Eu sou o único membro. Sou mto fã desse disco e desse cara. Um primo dele me achou e falou que ele virou pastor da Universal nos EUA! Quero falar com vc, blogger! Ss tem novas sobre esse cara!

Ivan disse...

Então Gôdje. Também perdemos contato com o Garcia. Nos primeiros tempos nos EUA ele ainda chegou a se comunicar com a gente por e-mail, mas isso faz muito tempo. abraço.