Fotos: Digão Duarte
La Carne no Porão: o melhor show, da melhor banda do Brasil, só isso.
“Quem aqui pode me dizer o quanto se morre pra poder viver?”
A chuva que caiu por volta das 9/10 horas da noite de sábado, quando a gente ainda passa o som no Porão do Rock, faz alguns ficarem preocupados de que isso “esfriasse” a festa. Bobagem. A água apenas dá uma refrescada no ambiente, como se preparasse os ânimos para o que estava por vir. Mas nada poderia ser capaz de prenunciar o que viria.
Mais do que mais um show ou festa da Ruído Corporation, o que se viu no sábado no Porão foi o encontro de uma turma de amigos que se aproxima e se identifica não só pela música, mas principalmente, pela forma generosa e solidária como vê a vida e que faz da atividade artística (eu sei, expressãozinha horrível e pedante, mas é o que me ocorre agora) um instrumento para a troca de idéias, energia, calor humano. Um exercício de SOBREVIVÊNCIA, de sanidade mental. Que encontrou na soma de forças a saída para um cotidiano medíocre e tacanho que teima em nos enredar. E que despreza o patrulhamento indie dos que se acham capazes de ditar as regras do bom gosto, do que é “cool”, do que é legal. Arte, diversão e amizade contra o cinismo e a pobreza de espírito.
Quando o OAEOZ subiu ao palco, pouco depois da meia-noite, um bom público, formado por amigos, curiosos e desavisados, já ocupava o Porão. Depois de nove meses sem tocar ao vivo, e estreando nova formação e arranjos, não tinha como a gente esconder a ansiedade. Começamos com o pé em baixo, em “Ninguém vai dormir”, que serviu pra espantar um pouco o nervosismo, apesar da corda arrebentada da minha guitarra na primeira música.
Confirmando o clima de camaradagem, o Felipe, do ruído, logo me estendeu uma guita emprestada e após rápida afinação, iniciamos “Dizem”, responsável pelo momento mais emocionante do nosso show, com parte da platéia cantando junto a doída letra de Rubens K, agora envolvida em um arranjo mais básico e “rock”. Funcionou!
Avançamos com “Distância” e “Pra Longe”, que saíram meio arrastadas. E finalizando, “Canção para OAEOZ”, de autoria e com vocal principal do Carlão. Deu pra tirar as teias de aranha e teve até gente comprando nosso CD, e perguntando se ele tinha as músicas que a gente tocou no show. Mas o que me deixou feliz mesmo é que quando eu fui comprar uma água no balcão, o cara que tava servindo fez questão de me cumprimentar e de dizer que havia gostado muito. Sempre achei que se o cara que ta ali trabalhando no bar, vendo toda noite banda passando pra lá e pra cá, gosta, é sinal de que alguma coisa prestou mesmo. Massa.
Após um pequeno intervalo para desmontagem e montagem de instrumentos, o ruído/mm começa sua performance. Já tive oportunidade de ver alguns shows dos caras, mas não tenho dúvida de que esse foi o melhor que eu assisti. Dá pra ver claramente a diferença de pegada pelo fato deles estarem tocando direto ultimamente e terem encampado esse desafio de produzir shows com outras bandas.
Impressionante a dinâmica que eles imprimem as músicas, as mudanças de andamento estão ainda mais seguras, precisas e surpreendentes, e essa segurança é visível no entusiasmo que eles demonstram em cima do palco. Felipe continua sendo uma espécie de “maestro” condutor, agora escudado por André Ramiro, com suas dancinhas impagáveis e sua cara de criança que acabou de ganhar um doce. Pill com a elegância de sempre e John de costas, tecendo seqüências de riffs e texturas impressionistas. O batera alternando na porrada e em grooves jazzísticos, complementa a massa sonora que deixa o público estupefado e boquiaberto. Perfeito.
Confesso que não vi todo o show do Hierofante, pois nesse momento o cansaço da correria do dia começou a pesar. Acabei vendo parte da apresentação sentado no lado onde ficam as mesas, e voltava de vez em quando ao espaço do show quando eles tocavam músicas que eu já conhecia e gosto do EP. O que mais me chama a atenção neles é a alegria com que os caras tocam, principalmente o guitarrista base e o baixista. Uma alegria sincera, espontânea, contagiante, juvenil, de quem não se deixou contaminar pelos vícios desse meio “artístico” udigrudi nosso de cada dia, e ainda acredita na música como forma de expressão vital, sem amarras, sem regras, só pelo prazer de tocar e fazer um som com os amigos. Muito bom.
E então, chega o momento mais esperado da noite. A expectativa em torno do show do La Carne era grande, mas como eu disse no início, nada seria capaz de me preparar para o que estava por vir. Já vi vários shows dos caras, e tinha em mente principalmente o último do Rock de Inverno 6, quando foi uma questão de honra pra gente ter os caras como headliners em um show bem organizado, divulgado e com som legal, depois da merda que havia acontecido no Rock de Inverno 4. Nesse dia deu tudo certo, e os caras colocaram o 92 abaixo. Jamais eu imaginaria que dentro dee instantes esses caras seriam capazes de superar e muito isso, de me deixar sem fôlego novamente.
Eles começam com duas músicas novas. O que poderia ser um balde de água fria nas expectativas. Menos para o La Carne. As músicas novas parecem ainda mais urgentes, diretas, monolíticas, agora com o reforço dos backings de Jorge e Carlinho. A essa altura a platéia já está vidrada. “Contra a corrente desde sempre, baby. Contra os abutres que devoram devagar”. O som ainda melhor do que o RI 6 faz o show do La Carne soar mais impressionante que nunca. Os grooves do baixo rimbombante de Carlinho ligado em dois amplis de baixo, mais a caixa de baixo do PA ecoam no ambiente e se encaixam perfeitamente nos riffs explosivos detonados pela “mão direita mais rápida do Oeste” de Jorge Jordão, armado por dois fenders de luxe cortesia da ruído corporation.
Por cima desse paredão, Linari canta como nunca, como se o mundo fosse acabar nessa noite. Sua voz corta ar e navega em gritos lancinantes como se a qualquer momento ele fosse desfalecer ou implodir. Esses quatro elementos superpostos criam um tsunami sonoro que assalta o lugar em ondas “numa espiral da elipse curta do abismo material”.
Quando eles iniciam os primeiros acordes de “Demônio triste”, o público suinga e dança, como se a noite tivesse apenas começado agora. E vem “Jukebox”, “Viaduto do Sol”, e outros clássicos, pra deixar todo mundo de cara. Linari hipnotiza e se supera nos trejeitos e caretas teatrais, voltinhas a la James Brown, no olhar maquiavélico e cúmplice. No pogo, se misturam, se empurram, e riem amigos, conhecidos, agregados e uma molecada que provavelmente nunca ouviu La Carne na vida. Uma garota joga cerveja pra cima, pra horror de um segurança troglodita, que fica ouriçado mas logo é colocado pra escanteio. Cansados, eles tentam terminar o show. O público não deixa. Tentam de novo. São xingados. Mais uma. “Vão beber”, se despede Linari. Inacreditável.
Domingo de manhã (ta bom, começo de tarde). Acordo ainda com o show do La Carne ecoando na cabeça. Por impulso, penso em colocar algum som. Aí percebo que depois daquilo que eu tinha acabado de ouvir, qualquer música pareceria ofensiva. Só no início da noite, quando consigo terminar de baixar as “The Complete Sun Sessions”, do Elvis, é que coloco música pra ouvir. O círculo se fecha.
Como Elvis, La Carne é mais do que rock, é mais do que meras canções de festa, é vida musicada e dilacerada ao vivo em versos e acordes. É um convite para um apocalipse particular (“vamos celebrar a estupidez humana?”). Criaturas flamejantes gritando por uma saída, mesmo que não acreditem nela. Apenas pela diversão de testar os limites, de jogar as favas o bom senso. Pelo prazer de compartilhar suas dores com quem ainda acredita no poder da amizade, do companheirismo, do sonho ou porque não, da loucura. Ave Sidney, Carlinho, Jorge, Linari. Ave La Carne.
Ave Ruído Corporation e Hierofante Púrpura. Ave OAEOZ.
Ivan Santos
coloco mais fotos quanto o André me mandar (mandaí André)
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2 comentários:
Tem fotos dos Hierofante aqui!
http://www.fullgiu.com/hp/
:)
Giu!
é, que show...toda vez que o la carne vem, agora é assim. é sempre um imensa alegria recebê-los em casa, mesmo quando a gente nem conversa direito... valeu. até a próxima.
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