12/12/2018

New Order em Curitiba foi inesquecível!




 E a primeira vez que esperei ansiosamente pelo final de 
de um show que gostei desde o começo


  
O dia 2 de dezembro de 2018 está gravado em mim.  Neste dia eu ouvi em um palco curitibano três músicas antológicas da banda Joy Division sendo tocadas por nada menos que metade da banda original: Bernard Summer (vocais, guitarra e sintetizadores) e Stephen Morris (bateria, bateria eletrônica e sintetizadores). Faltou Peter Hook (baixo e sintetizadores). Não faltou Ian Curtis, vocalista e compositor, porque ele sempre estará entre nós, a despeito de sua escolha trágica naquele solitário e desolador 18 de maio de 1980. Completam a formação atual do New Order os músicos Gilian Gilbert, Tom Chapman e Phil Cunningham.
Ainda agora, ouvir os trechos que consegui gravar da performance desta que é uma das influentes da história da música e um dos elos entre o rock e a música eletrônica, nascida dos escombros do Joy Division, me provocam lágrimas. Como disse um amigo de redes sociais: eu ainda estou neste show!






Na verdade, eu praticamente ainda não acredito que ouvi e vi isso ao vivo... parece quase um sonho que se mistura com as imagens da minha vida, com as de uma gravação em VHS que não lembro como o Ivan conseguiu, mas lembro muito bem que assistimos aquela fita incontáveis vezes, sempre quase em silêncio, ‘de cara’ com a intensidade daquela performance. Era a gravação de um show, se sei onde foi não lembro, com pouquíssima luz, quase não se via nada em vários momentos, ‘só’ aquele som hipnótico, uns vultos se mexendo, com aquela banda nos conduzindo por um labirinto de sensações e emoções da flor da idade que se abriam diante dos nossos não mais que vinte anos.  Foi ali que conhecemos o jeito de Ian Curtis dançar, foi ali que sentimos a força da banda além dos discos. É uma memória muito, muito forte que está cravada em mim, por inúmeras razões que se misturaram às entranhas e me alimentam até hoje. Porque não existiu uma única vez que eu tenha ouvido Joy Division sem ficar absolutamente mexida com a audição. Com o passar do tempo, biografias e histórias vieram somar informações sobre a construção de um mito de verdade, com suas incongruências e dicotomias, inseguranças e incertezas e escolhas, tão humano, frágil e forte, capaz de criar e de destruir (-se, inclusive), trazendo uma sensação ainda mais forte de um tipo de cumplicidade que às vezes se constrói com alguém que se admira à distância. È muito complexo tudo que envolve o Joy Division, que é uma daquelas bandas super influentes da música mundial que teve um fim prematuro e trágico.


Eu ainda não acredito que vi e ouvi isso.

Em 1988, quando o New Order tocou no Brasil a primeira vez eu não conhecia a banda. Jamais tinha ouvido falar em Joy Division. Tudo mudaria um ou dois anos depois,  já na faculdade, um dos ‘marco zero’ da minha vida! Eu já tinha iniciado minha própria descoberta musical, mas a partir dali ganhei alguns dos aliados mais importantes na minha vida, musical inclusive, amigos com ouvidos pra lá de especiais, corações atentos e mentes cheias de ideias e vontades a serem realizadas. Juntos passamos por algumas descobertas. E foi assim que cheguei a Joy Division, por tabela!

Na noite daquele domingo de dezembro de 2018 foi impossível não lembrar de tudo – e aquele filminho que passa na cabeça da gente quando nos deparamos com uma cena que provoca a memória, tumultuou tudo. O coração se dividiu entre ‘só’ aproveitar o momento e a vontade forte de também registrar algo mais, para além de nós. Todo o show foi incrível.  Show de luzes, de som, de público absolutamente encantando e a distância do palco foi um detalhe (quase) irrelevante. A presença de uma banda real para fazer um som eletrônico continua fazendo a diferença e é uma das razões que mantêm New Order no topo até hoje, como dona de uma das grandes performances nas quais o peso de sua história não atrapalha o agora. Ao contrário, ajuda. Muito da visceralidade (tranquila) da banda vem dessa combinação de músicos de verdade fazendo o som  junto com as bases pré-gravadas. Fez a diferença (já no Joy, pioneiro no uso de elementos eletrônicos) quando o trio remanescente teve que continuar a caminhada iniciada ao lado de Ian Curtis e continuou fazendo ao longo da trajetória do New Order que deu continuidade ao legado do Joy.





A única coisa estranha é que foi a primeira vez que esperei ansiosamente pela parte final de um show – e, por favor, isso não é demérito algum ao New Order, é só  o sinal de um coração encantado se dando ao direito de ser livre. Dancei, dancei, dancei e dancei! Não é a toa que a banda é referência. New Order é desses grupos que você não precisa conhecer uma música sequer para curtir.  Entre as faixas mais conhecidas e as que eu não conhecia nenhuma distância existiu –  a não ser, claro, os suspiros e exclamações.

Eu ainda não acredito que vi e ouvi isso.




Atmosphere
Walk in silence/ Don't walk away, in silence/ See the danger/ Always danger


Então, é só eu colocar os pedaços estilhaçados das gravações que tentei fazer, enquanto estava mais ocupada em viver. Mas, não é um 'basta' fácil, porque colocar uma música do Joy pra tocar não é assim tão simples. Pra mim não é! Imagine então ver isso, com esses olhos me olhando, misturados as tais imagens do show escuro que estão cravadas na minha memória... tudo contribui para que minha mente se liberte e até se iluda, por alguns instantes: eu vi um pedaço de Joy Division bem pertinho de mim, tocando pra nós, naquela noite inesquecível que aconteceu ali do outro lado de Curitiba.

decades
Here are the young men, a weight on their shoulders
Here are the young men, well, where have they been?
We knocked on doors of hell's darker chambers
Pushed to the limits, we dragged ourselves in

Watched from the wings as the scenes were replaying
We saw ourselves now as we never had seen
Portrayal of the traumas and degeneration
The sorrows we suffered and never were freed







Em tempo e atualizando informações: O VHS que a gente tinha era uma cópia do VHS lançado oficialmente pela Factory com o título "Here are the young man", com trechos de shows do Joy Division, lançado em 1982!

12/06/2018

CriÂnsia!


Entre a criança e o adulto, o que sobrou de nós?




fotos de Karla Vizone

 A brincadeira começa fora do teatro. É bichinho de pelúcia pra todo canto, gritos, correria... somos crianças brincando no pátio da escola, se quisermos nos permitir, e o astral é de algazarra. Dentro, o clima também pode ficar tenso, embora comece com um convite para continuar brincando! Em “CriÂnsia”, peça que a Processo Multiartes remontou depois de 15 anos e apresenta em temporada gratuita no Teatro Experimental da UFPR, o TEUNI,  a plateia é convidada a participar de brincadeiras e a lembrar um pouco dos bons momentos da infância. De forma tranquila - e quem preferir não participar terá os lugares para sentar-se.

Eu topei, claro, afinal brincar é sempre bom! Em cima de um imenso quebra-cabeças que é o palco, pequenos grupos se formam, a convite dos atores, para compartilhar diferentes brincadeiras. Até que toca o sinal e logo a gente lembra  do 'nosso tempo' de escola ao mesmo tempo em que se dá conta que os tempos são outros. Mulheres e crianças atrás dos homens e uma série de ordens da diretora, ao som de um hino, começam a por tudo no lugar (ou seria fora do lugar?). Fila, dar distância, pare de brincar,  comporte-se, dá esse brinquedo aqui! Acabou a brincadeira!

Não vou estragar as surpresas para quem quer assistir ao espetáculo que segue em cartaz até dia 16 de dezembro – e que mexeu muito comigo, talvez por ver ali encenadas algumas situações que, infelizmente, espelham o momento intolerante em que vivemos. Adriano Esturilho se mostra cada vez mais fera em criar uns climas cênicos reais e conta com aliados importantíssimos para atingir seus objetivos. Cenário, figurino, intervenções, movimentações, elenco e equipe de apoio, um conjunto harmônico, e que me pareceu impecável, brinca com ironia e graça em meio a algumas desgraças. E o lugar escolhido se mostra perfeito!

O som ao vivo, desta feita com tambores que criam um clima meio ritualístico, em alguns momentos, é peça-chave. Entre o esboço que vi em ensaio até a apresentação da semana passada, um espetáculo (hummm, não, essa palavra não tá caindo bem para o que vi) que se constrói com referências dos anos 80 e 90 para falar de agora, quando estão vivendo os adultos que ‘fomos’ adolescentes lá. 




Tem programa de auditório e letras de músicas infantis inacreditáveis (e o pior é saber que a bizarrice nem é sempre exagerada), tem ‘nave espacial’, tem referências atuais diretas, tem texto e cenas que doem na gente – e o que pega mesmo é o que expõe sobre as pessoas, entregando o que elas pensam. É aí, que Criânsia nos põe no chão – ou foi aí que Criânsia me pôs no chão!
Em uma cena, a turminha oprime violentamente um colega; na outra é o coleguinha que dá o troco... me vi pensando no mundo lá fora, no que estamos nos transformando, no que as pessoas desejam para o outro e o que pode acontecer com elas, já que não se dão conta de estão caminhando para um abismo moral...




Pra mim, que não passo de alguém da plateia que quer experimentar o que a obra propõe,  esta remontagem de Criânsia é um dos grandes trabalhos do teatro brasileiro de 2018. Usa de forma bela a simplicidade, nos coloca dentro de um clima lúdico e lá dentro estraçalha e convida quem tá na plateia a a dividir suas histórias e confidências, também, se quiser. Sempre se quiser! A equipe conta que ouviu depoimentos de chorar, mesmo. Tem momentos de gargalhadas que cedem a um riso nervoso, a postura fica incômoda. E tem momentos em que o silêncio é tão a única coisa que nos resta que, sim, dá um imensa vontade de chorar! E tem o momentos em que o lúdico toma conta da gente, como a grande ciranda que se forma, com direito a quem quiser puxar uma cantoria! 
Vá ver e quem sabe conversamos mais sobre isso tudo que está por aí, depois.

A temporada segue até 16 de dezembro, de quinta a sábado às 20h30 e ao domingos às 19h30. O TEUNI  fica na Praça Santos Andrade, s/n – Prédio Histórico da UFPR. E é preciso chegar uma hora antes para retirar a senha do ingresso.  A classificação é 16 anos.

Ficha técnica:
Texto e Direção: Adriano Esturilho
Elenco: Cleydson Nascimento, Debora Vecchi, Mariana Barros, Allan Brasileiro, Jossane Ferraz, Paulo Kabuto
Músico e Sonoplasta: Eugênio Texeira Fim
Preparador Corporal: Andrew Knoll 
Cenografia : Guenia Lemos 
Cenotécnico: Willian Batista 
Figurinos:  Eduardo Giacommini      
Aderecista: Katia Horn          
Iluminação: Lucas Amado    
Técnico Responsavel  : Julio machado
Produtora Executiva Judy Fiorese
Diretora de Produção Bella Souza
Assistente de Produção Nathalie Rocha
Contrarregra Paulo Silva
Assessoria de Imprensa De Inverno Comunicação
Assessoria de Comunicação Kadije Akl
Designer Gráfico e Fotógrafa Karla Vizone
Realização: Processo MultiArtes



12/05/2018

A menina e o Pink Floyd: três décadas depois

A primeira banda louca que entortou minha percepção sonora!*


Há 33 anos, no dia 15 de março de 1985, entrei no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, aos 14 anos, para ver o show que lembro como o meu primeiro, do grupo porto-riquenho Menudo. Em Curitiba há apenas três meses vinda do interior de Santa Catarina, trazia comigo as boas lembranças de infância e andava tristonha de saudades.  A boy band latina, considerada o maior fenômeno infanto-juvenil da década de 80 foi a primeira banda que segui como fã: cantava, fazia coreografias e, se a memória não me trai, foi a única vez que tive um pôster na parede, do Robby. Porém, não tive o disco – era o tempo das rádios AM e da fita cassete. 



Não vou enrolar: a verdade é que pouco ficou na minha memória daquele tal primeiro show, cuja permissão para ir só tive porque a irmã do melhor amigo do meu irmão ia e as famílias se conheciam. Mal sabia a menina que tudo estava prestes a virar pelo avesso. Cerca de um ano depois tudo começaria a mudar – e começou pela música, isso é bem claro agora!

Em algum ponto daquele longínquo 1985 percebi um rapaz diferente na sala de aula. Roupas pretas, cabelos meio compridos; tinha olheiras evidentes emoldurando um olhar que, pra mim, era triste. Ficava sempre no fundão (eu ainda era menina das primeiras fileiras, rsrsrs) e cheguei a ouvir que ele não era boa companhia, que o esquisitão fumava maconha, coisas do tipo. Não me fiei nas avaliações, mas fiquei na minha. No início do segundo ano, ao entrar na sala de aula e perceber que estávamos na mesma turma, mudei de lugar! E puxei a conversa que evoluiu para uma das mais belas amizades que já tive, com direito a troca de cartas e longas horas de conversas ao telefone. Assim conheci a banda preferida dele, o Pink Floyd.

Meu amigo falava muito do “Wish You Were Here”; eu já curtia mais rock nacional, o dial mudara para as sintonias das Frequências Moduladas, as FMs, e comprara alguns discos. O fato importante é que ali começaram as trocas musicais que fariam a diferença na minha vida (pessoal e profissional) anos depois. “The Final Cut" foi o primeiro disco que me ‘arrasou’. Para desespero de meus pais, eu me trancava no quarto a tarde toda, com um tecido escuro cobrindo a janela: quando não estava estudando estava deitada no chão, com a cabeça entre as duas caixas do meu amado 3 em 1 Gradiente, presente de 15 anos. Não tinha ideia que a banda estava implodindo, não tinha ideia de nada da história deles. Mas, traduzi cada palavra daquele disco mais de uma vez e cheguei num ponto de conhecer cada pausa e respiração. E foi assim que o ‘Pink Floyd do Roger Waters’ mudou a percepção musical da menina.






Us + Them
E eis que em um sábado, 27 de outubro, entrei pela segunda vez naquele mesmo estádio, e posso dizer com toda tranquilidade agora, para ‘ver’ as músicas da primeira banda louca que entortou a minha percepção sonora! Se posso dizer que algum disco mudou a minha vida, ele foi feito pelo Floyd, sob o comando de Waters. O mesmo cara que estava ali na minha frente, infelizmente enfrentando com a gente o ódio e a incompreensão da maioria presente no show da turnê Us + Them.  





A ideia era falar sobre a experiência musical, sobre as emoções despertadas e sobre o que a música é capaz de fazer com uma pessoa: em menos de um ano ir de um pop adolescente pasteurizado até uma das sonoridades mais complexas da música mundial. Sob o prisma de Waters, no entanto, não se pode ignorar a questão política, outro elo que une essas experiências distantes no espaço tempo.

Naqueles meados dos anos 80 o Brasil também respirava política, mas o entorno era libertário, o momento era de esperança com o primeiro presidente civil eleito, mesmo que indiretamente, depois de anos de ditadura. Um clima completamente diferente do que vivemos na véspera desta eleição tensa de 2018, marcada por mentiras, pelo desinteresse/desilusão de parte expressiva dos eleitores, ao lado da violência e preconceito de outra parte. A pimenta ficou ainda mais ardida pelo fato de o show ser em Curitiba, um dos epicentros da derrocada em que nos metemos.





Ao sentar-me diante do computador para escrever, primeiro empaquei; depois, entrei na viagem para em seguida desistir. Investiguei meus sentimentos novamente, parei de novo, coloquei o disco para rolar outra vez... Afinal, como começar, o que escrever sobre a minha experiência – tão desimportante – no meio desse clima que a gente tá vivendo?


Não se pode dizer que foi um show pacífico – embora nada de grave tenha acontecido. Roger Waters, que, claro, manteve sua postura política, foi vaiado – e muito. Horas depois, o que já estava claro se confirmou nas urnas.  O cantor inglês e sua produção seguem às voltas com uma demanda da Justiça (?) brasileira. Para mim, ficou um gosto amargo na boca, junto com os sons e imagens incríveis e com a certeza de que a maioria não entendeu nada. Eles entenderam menos que uma garotinha assustada de 15 anos, três décadas atrás!!! A garota também seguiu a vida e se transformou em uma produtora e jornalista cultural – e jamais se afastou da música.  

Ainda que eu tenha vivido para ver Roger Waters e as canções do Pink Floyd serem vaiadas do meu lado, me sinto mais forte do que nunca – e isso tem a ver com o show que vi e com as canções que continuo a ouvir e que continuam a dar a certeza de que escolhi certo os meus caminhos! Vou continuar colocando Pink Floyd para rodar no toca discos, vou conhecer as novas canções de Roger e David Gilmour, reencontrar velhos amigos. E sei que não sou a única – nem mesmo em Curitiba!


Ah, sim, meu amigo é guitarrista e vocalista de uma ótima banda cover do Pink Floyd!!

1. Breathe
2. One of These Days
3. Time
4. Breathe (Reprise)
5. The Great Gig in the Sky
6. Welcome to the Machine
7. Déjà Vu
8. The Last Refugee
9. Picture That
10. Wish You Were Here
11. The Happiest Days of Our Lives
12. Another Brick in the Wall Part 2
13. Another Brick in the Wall Part 3
14. Dogs
15. Pigs (Three Different Ones)
16. Money
17. Us and Them
18. Smell The Roses
19. Brain Damage
20. Eclipse
21. The Bravery of Being Out of Range
22. Comfortably Numb


* Texto publicado originalmente no Scream Yell!