3/08/2007

... como a lua

Um dia, há muito tempo, numa férias de faculdade, recebi a carta de um novo amigo, já muito especial. E ela começava com um poema que, dizia meu amigo, o fazia lembrar-se de mim, se parecia comigo. Me encantei, e fiquei pra sempre na ponta da língua e em algum canto do coração, com a primeira frase de Cecília Meirelles: tenho fases como a lua. Me vi nas palavras dela como me vejo hoje em dia em certas canções. Por alguma razão hoje esse poeminha voltou pra perto, saiu do cantinho e ganhou o centro do palco. Acho que ele, escrito por uma mulher, é muito mulher, dá dicas, bem escondidas desse espírito que habita muitos corpos que existem dentro do “feminino”.
Não, por favor, isso não tem absolutamente nada a ver com esse tal dia internacional da mulher, que não me atrai em nada – não me diz nada, como o dos namorados e essas datas econômicas. Meu dia é todo dia, ou nenhum dia, dependendo do meu estado astral.
Só acordei pensando que sou assim, tenho dias que são meus, e outros para os quais não existo. Confusões desses hormônios que, ufa, nos diferenciam - só precisamos nos entender em nossas diferenças, nem sempre é fácil, ás vezes a gente se perde, derrapa, quase cai e, noutras, tomba mesmo. Pensamentos que respingam de conversas a luz do luar, via virtual e que me jogam de volta para dentro das entrelinhas do que escreveu essa mulher fudida de incrível.
aí vai um dos meus poemas preferidos e, procurando por ele, encontrei outras cecílias que também se parecem comigo e – possivelmente, com alguns (algumas) de vocês também.

(adri perin)

Lua Adversa

Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
Fases de vir para a rua
Perdição da minha vida,
Perdição da minha vida,
Tenho fases,
Tenho outras de ser sozinha,
Fases que vão e que vem,
no secreto calendário que
um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda melancolia
Seu interminável fuso.
Não me encontro com ninguém
Tenho as fases como a lua.
No dia de alguém ser meu,
Não é dia de eu ser sua,
E quando chega este dia,
o outro desapareceu.

Noturno

Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?
Que vale o pensamento humano, esforçado e vencido, na turbulência das horas?
Que valem a conversa apenas murmurada, a erma ternura, os delicados adeuses?
Que valem as pálpebras da tímida esperança, orvalhadas de trêmulo sal?
O sangue e a lágrima são pequenos cristais sutis, no profundo diagrama.
E o homem tão inutilmente pensante e pensado só tem a tristeza para distingui-lo.

Porque havia nas úmidas paragens animais adormecidos,
com o mesmo mistério humano: grandes como pórticos, suaves como veludo,
mas sem lembranças históricas, sem compromissos de viver.
Grandes animais sem passado, sem antecedentes, puros e límpidos,
apenas com o peso do trabalho em seus poderosos flancos
e noções de água e de primavera nas tranqüilas narinas
e na seda longa das crinas desfraldadas.
Mas a noite desmanchava-se no oriente, cheia de flores amarelas e vermelhas.
E os cavalos erguiam, entre mil sonhos vacilantes,
erguiam no ar a vigorosa cabeça, e começavam
a puxar as imensas rodas do dia.
Ah! o despertar dos animais no vasto campo!
Este sair do sono, este continuar da vida!
O caminho que vai das pastagens etéreas da noite
ao claro dia da humana vassalagem!

Motivo

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei.

Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.

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