Dez anos atrás, ouvi alguém me dizer, bem alto e na cara, que “lembranças não valem nada”. Com um atraso de uns tantos bons anos, eu estava começando a sair da meninice para (tentar) virar adulto, e por uma série de acontecimentos espiralados demais para relatar aqui, acabei indo parar em Curitiba, onde tomei esse e outros tapas na cara. Era janeiro de 2005.
Agora é maio
de 2015. Alguns planos daquela época deram certo, outros nem passaram perto
disso, mas o disco continua ali. Música tem disso: você vai embora e ela fica,
e no seu formato físico ela é praticamente uma fotografia: do artista que a
gravou e da pessoa que você era quando a escutou.
Não dá para
falar do que é “Às Vezes, Céu” hoje sem eu falar sobre o que sobrou de mim. Mas
para isso, eu tenho que recolher algumas lembranças, e justamente essas, a
canção de abertura do disco me ensinou, não valem nada. Mas fucemos no lixo
mesmo assim.
Eu era um
nostálgico crônico, enfermo da vontade de congelar o momento bom e, claro, não
conseguindo, acabava por viver preso ao passado. Era mais medo do que vinha
pela frente do que apreço pelo que já tinha passado.
Talvez por
isso, passei muito tempo depois daquele janeiro pensando no que aquela canção
significava. Os gritos do Ivan naquele que é provavelmente seu vocal mais
sincero e a hipnose daquele trecho instrumental (é coisa do Ramiro aquilo?) me
intimavam a levar aquela musica para dentro de mim e me questionar. E dentro de
mim, desculpem a pretensão, estava o futuro, ou melhor, um presente que eu
ainda não era capaz de viver, e que também estava anunciado no disco, em letras
como “Dizem”, “Dias Tortos” e, mais que todas, “Horizontes”. Um presente de
abandonar-se a mim mesmo e deixar que as veleidades convivessem mais em paz com
as decisões racionais, que significasse ir para frente desde que eu pudesse, em
algum momento, voltar para casa.
A casa,
desde aquele janeiro, era Curitiba, uma cidade onde só viria a residir anos
depois, e não por mais que alguns meses. Mas já era meu lar, só estava à espera
que eu reconhecesse isso. Se assim não fosse, como explicar eu andar pelo
Centro encontrando o que eu queria e precisava sem jamais ter estado lá? Como
justificar a familiaridade que eu sentia num passeio a pé pela Mariano Torres
ou numa volta de carro pela Mateus Leme, das Mercês ao Abranches? Reconhecer-me
na beleza que teimava em ser suja ali no Passeio Público, engolir a beleza da
solidão num copo de chopp preto na XV ou celebrar o encontro não-planejado com
um amigo no Largo da Ordem – essa era minha Curitiba. Minha casa.
E só ali
podia ter nascido “Às Vezes, Céu” – aliás, título que descreve com exatidão a
experiência musical d’OAEOZ ao vivo e a vida diária na capital das araucárias.
Porque, descobri logo, OAEOZ era muito melhor ao vivo, mesmo ensaiando tão pouco.
Porque o ouvido foi ficando mais exigente, e entendendo que a mixagem do disco
não era boa (embora fosse, sim, a melhor possível). Porque Curitiba podia te
dar alguns dias bem filhos-da-puta, indiferente ao amor que você tivesse por
ela. Porque ia ter horas que aquela música ia mexer em coisas que iam doer.
Então, estava claro que tudo aquilo – a cidade, as canções, a solidão – nem
sempre seria o paraíso. Mas às vezes...
Essas vezes
se tornaram mais frequentes, conforme fui criando mais meios de ir para aquela
Curitiba física e também para aquele “dentro de mim” do qual eu falava lá
atrás. A essas tantas, fui ouvindo menos o disco. Muita música veio depois
dele, obviamente, inclusive feita pelos integrantes da banda em outros
projetos, alguns dos quais tiveram seu impacto em mim.
Mas não é
por isso que eu ouvia menos o começo disso tudo. É que eu fui me distanciando
cada vez mais do eu que ouviu aquele disco em 2005 e a foto foi se tornando
incômoda. Exatamente por isso, cada audição se tornou mais potente. E cada nova
sessão era algo de parar e escutar. Jamais voltei a colocar aquele disco como
“pano de fundo” para o que quer que fosse.
“Às Vezes,
Céu” me ensinou a não olhar para o passado. De verdade. Aprende-se muito com um
disco quando ele vem na hora certa. Ensinou-me sobre música também – não só o
lado emocional de uma canção, mas composição, letra, arranjo. Pensei e
conversei e pesquisei muito sobre esse disco (e não acho que o Ivan e o Carlão
se lembrem de metade desses papos), porque eu precisava entendê-lo. Saber por que
o álbum batia tanto, por que suas imperfeições eram mais atraentes que seus
(muitos) acertos.
Não tenho
uma resposta acadêmica para nada disso, não, mas tudo resultou numa resposta,
que agora é parte indissociável do meu presente. Ou seja, um jeito enrolado de
dizer que “Às Vezes, Céu” me ajudou a ser quem eu sou hoje. E olha, eu gosto,
viu? Porque hoje “a vida é fácil” mesmo eu ainda sendo complicado, e já não me
enrosco mais tanto em dias tortos (melhor, por vezes sou eu quem entorto os
dias). E porque hoje “o peso que carrego nos ombros é só bagagem”.
É só
bagagem, sim. E lá, entulhado entre umas camisetas de banda, camisas sociais,
livros bacanas, fotos de gente querida e um ou outro objeto inominável, tem
aquele exemplar meio amassado de “Às Vezes, Céu”.
Leonardo Vinhas
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