5/23/2010

A Força que vem da Capoeira

Minha amiga Fran tava passeando pela rede e resolveu ler algo que escrevi há alguns anos, pro site Overmundo, sobre a capoeira. Diz que achou lindo e até ficou inspirada para ir dar um passeio com sua filhotinha linda, que eu chamo de Franzinha", a Julia. Fui ler novamente e gostei. Resolvi colocar replicar, com algumas atualizadas.
Esse primeiro encontro foi há 9 anos. Nem eu acredito que já estou com uma corda verde amarela e vários dos amigos que conheci na capoeira, agora estão casados com seus filhotinhos indo também curtir os sons do sábado ou os treinos. Muito legal isso. Agora não treino mais no Aquacenter, que fechou. TReino na Água VErde. Continuo atravessando a cidade pra ir jogar capoeira, ali ao lado do Shopping Água Verde. O que não mudou é que continuo no Força da Capoeira, que ano passado fez uma roda linda no meu aniversário na praça ao lado de casa, com a ilustre presença do meu Avô amado. E espero que façamos outra pra festejar o 4.0 em outubro.


"Eu lembro bem aquela tarde quando, enjoada da monotomia da academia de ginástica, ouvi uma batida diferente e vi umas pernas pra cima na janela de uma das salas. Eu, entrando na minha década balzaquiana, procurava um desafio:

- O que eu sempre gostei mas nunca me atrevi a fazer por me achar incapaz?, me perguntava.

Quando descobri que ali tinha aquela arte tão linda da ginga que eu via embevecida e hipnotizada acontecer nas ruas, achando que era algo que meu corpo não conseguiria fazer, pirei. Quando botei a cabeça – e olhos curiosos - pra dentro da sala, veio o convite de um cara de voz forte e bonita que, depois eu soube, era o Mestre Kinkas – Joaquim Guedes da Silva Alcoforado Neto.

- Venha aí, fazer uma aula com a gente”, disse.

De onde veio a coragem, sinceramente ainda não sei, mas eu fui. E há cinco anos, toda terça e quinta eu tô lá, faça chuva ou sol, atravesso a cidade para aprender a jogar capoeira, cantar, tocar e, de quebra, tenho aula de Brasil, de um Brasil que parecia distante pra essa “catarina” branquela, mais acostumada, nos seus mais de 20 anos de Curitiba, à toada do rock que aos ritmos da cultura popular. Ainda hoje me emociono com a força da cantoria e do batuque que contam sobre a saga dos negros, provocando calafrio no ritmo marcado pelo pandeiro, atabaque e berimbau. Que coisa linda é essa cantoria! E o som do berimbau hoje em dia é capaz de me tirar (e colocar de volta no) do prumo.

O Grupo Força da Capoeira nasceu em Curitiba há 14 anos, quando Kinkas e Áurea vieram de Recife para Curitiba para (re) começar tudo. O menino Gabriel eles tiveram aqui, e foi por conta das “intromissões” dele – que já é um capoeirista com estilo aos 13 anos - , querendo fazer bananeira e entrar no jogo, que eles desenvolveram uma técnica de ensino da capoeira para crianças a partir de 2 anos e 9 meses, que auxilia também na alfabetização. Áurea e Kinkas também ajudaram a disseminar nessa “terra de polaco” os ritmos da nossa cultura popular. Junto com a capoeira, aprendemos frevo, maculelê, samba de roda, coco, maracatú, xaxado, puxada de rede, eles tentam pôr mais dendê na vida dessa gente meio durinha aqui do Sul. No ritmo dos quadris e dos pés da professora Àurea ví alguns preconceitos – que nem sabia que eu tinha – irem por terra com ela buzinando no meu ouvido: “Vamo lá Rubi, solta essa franga, faz a piriquita falar”.

E o maculelê – “essa dança guerreira de preto velho do tempo da escravidão” - ? Confesso que entre a candura do coco, a sensualidade do samba de roda, foi a energia catártica do Maculelê que mais me acertou. O batuque, as músicas guerreiras o bater dos paus e o faiscar dos facões....

Não foi só por sua beleza que a capoeira entrou na minha vida. Tenho convicção que se continuo nessa lida é porque encontrei o Grupo Força da Capoeira. Porque gosto da filosofia de vida que norteia seus trabalhos, das pessoas especiais que o fazem existir. Sábado passado mesmo, em uma aulão, Mestre Kinkas teve outra daquelas conversas que nos dizem que a capoeira não é só dar pernada, mortais e essas coisas de exibicionismo gratuito. Sempre ao final das aulas ele conversa, alerta para não entrar no jogo de quem gosta de tretá, relembra histórias da capoeira, comenta sobre algo que está acontecendo...eu gosto disso.

Também tem os dias em que o tempo fecha, faz parte, é só saber levar e não é por acaso que Kinkas é chamado de Mestre. Ele é uma referência, principalmente, noto, para algumas pessoas que estão há mais de dez anos juntas no grupo, começaram adolescentes, crianças, cresceram e hoje são homens e mulheres que ajudam a quebrar os preconceitos que ainda rondam essa linda arte marcial brasileira. E a Áurea ali, segurando a onda junto, fazendo as roupas, os instrumentos que eles vendem na Feirinha do Largo da Ordem, todo domingo, dando aulas e, especialmente, ensinando as gurias a cantar e soltar o corpo de “um jeito diferente dos homens”. Ela tem uma voz poderosa e isso é importante, porque ainda não é muito comum as mulheres cantarem na capoeira. O Força tem mulheres que cantam e tocam. Terá mais, em breve. Até porque o número delas aumentou muito desde 2001. Já tinha a Maria José, a Mirian, a Alessandra e a Grila, vieram as superpoderosas Lindina, Docinho e Florzinha. A Sereia, “que cresceu na capoeira”, voltou com uma gana visível para recuperar os três anos que ficou sem treinar; chegou a Cacá, carioca seu jeito de guerreira, e, há pouco tempo a Tati, com sua experiência de dez anos na arte da ginga. Gurias porretas que não perdem o charme na hora de brincar a capoeira.

É um hábito na capoeira dar apelidos aos seus integrantes. Eu simplesmente amo o que ganhei, Rubi, por conta de meus cachos coloridos artificialmente - que lhes causava um tanto de espanto no começo, principalmente quando um suor vermelho escorria depois de uma camada recente de tinta.

Gosto de estar em mundos diferentes, e vê-los se encontrando. A jornalista tagarela acostumada a ter tudo sob relativo controle que, aqui, se desarma, desacelera, entra com uma expressão tensa no rosto e sai leve, sorriso aberto e com uma vontade louca no peito de nunca mais sair de uma roda de capoeira. Fico puta da cara quando o jogo não rende, mas tem horas mágicas em que já não importa se eu jogo muito ou pouco, se acerto o movimento ou não. Quando dou o aú para entrar na roda, é um transe incrível que, ao invés de cansar, descansa, descarrega todo o peso do mundo e repõe as forças – tanto quanto uma bela canção.

A vontade de fazer capoeira melhor aumenta quando vejo o “jogo zen” do Boneco de Milho (Miguel); a obstinação do Ema (Rodrigo); a alegria contagiante do Cigano (Marcos), o charme da Sereia (Larissa), da Jaboticaba (Mirian) e da Grila, os cuidados do Olavo, a força do Marquinhos. Mestre Kinkas e Áurea inspiram, também na vida. Assim como a amizade de todos os outros, nesse grupo que cresce a olhos vistos e sempre dá um jeito de engrenar uma baladinha regada, claro, a roda de capoeira, que vai até o churrasco e uma cervejinha, que ninguém é de ferro.

E por falar em balada, esse texto é pra contar que no próximo dia 9 de dezembro, como sempre acontece no segundo sábado de dezembro, é dia do Batizado do Grupo Força. Batizado é a cerimônia de troca de cordas dos alunos, não tem absolutamente nenhum cunho religioso.

Vai ter também xaxado, maculelê, coco, samba de roda, com convidados daqui, de Santa Catarina e Rio de Janeiro. Eu vou pegar a corda marrom e verde – e me dá um frio na barriga só de pensar.

Eu não planejei ficar na capoeira, só queria ver como era. E hoje não consigo me imaginar sem ela e sem essas pessoas que conheci. E pra quem acha que capoeira é só pro pessoal mais novo, tem uma fala que o Mestre Kinkas emprestou de alguém, se não me engano, que é perfeita: a Capoeira é o jeito que o corpo dá. Que o diga eu, essa branquelinha de 36 anos, que dava pinta de que não vingaria: pois é, e eu achei mais um lugar que é meu nesse mundão: a capoeira, junto com o Força da Capoeira."
(Adri)

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