3/18/2010
O valor da solidão
Gazeta de hoje
Mário Bortolotto retorna aos palcos com Música para Ninar Dinossauros, peça que estava em produção quando foi baleado em São Paulo
Cristiano Castilho
Foi com "um dedo só, catando milho e com uma dor violenta e constante nas costas" que Mário Bortolotto terminou de escrever o texto de Música para Ninar Dinossauros (confira o serviço da peça), peça que estreia nacionalmente hoje, no Festival de Curitiba. A montagem estava em gestação quando o dramaturgo paranaense foi ferido por tiros durante uma tentativa de assalto na Praça Roosevelt, em São Paulo, no dia 5 de dezembro.
O incidente, diz Bortolotto, não influenciou o destino da peça. “Pelo menos não diretamente”, confessa, em entrevista realizada por e-mail. “Tem sim, um tipo de melancolia brutal que tem a ver com o estado em que eu estava. Um jeito ainda mais descrente de olhar o mundo, mas a poesia sobrevive. Mesmo quando paramos de acreditar, a poesia continua lá, então a gente se permite continuar escrevendo”.
A história, encenada por seu grupo, o Cemitério de Automóveis, questiona a efemeridade das relações conjugais. Põe em xeque, por exemplo, o amor incondicional e sugere explicações várias para o fato de nos aproximarmos – também fisicamente – de outras pessoas. Em outras palavras, Bortolotto valoriza a solidão.
“Acho que as pessoas se juntam porque têm medo da solidão, de acordar no meio da noite e não ver ninguém ao seu lado. Não vejo nada de mais no fato de as pessoas agirem assim. Todos nós temos nossas muletas de sobrevivência. Mas eu gosto muito da solidão. E, quando estou cansado dela, sei onde encontrar companhia”, explica o dramaturgo de 47 anos, também autor de O Natimorto.
São três atores principais em cena, três amigos que rondam os 40 anos e, incapazes de manter relações ditas convencionais com mulheres, procuram garotas de programa. “De um jeito ou de outro, nós dependemos das mulheres pra continuar arrastando nossa velha carcaça bêbada por aí. Somos dependentes crônicos da presença delas”, comenta o autor. Estes mesmos personagens são vistos também 20 anos antes do momento presente – em meio aos anos 1960 e em todas as suas explosões sociais, políticas e culturais. A encruzilhada entre o momento estanque atual e a sensação libertária de duas décadas atrás é o mote principal do texto.
Além do retorno aos palcos e a Curitiba, onde morou por um ano, Bortolotto celebra em forma de parceria criativa sua amizade com o desenhista e escritor Lourenço Mutarelli (O Cheiro do Ralo), que praticamente estreia nos palcos como ator. “A motivação principal é que ele é meu amigo, e só trabalho com amigos. Além disso, é um ótimo ator. Para mim, é uma grande honra contar com ele no elenco”, elogia Bortolotto, que também dirige Paulo de Tharso.
Mesmo com algumas limitações físicas devido ao incidente – ainda há problemas de movimentação dos braços, por exemplo –, o dramaturgo nascido em Londrina continua trabalhando. “Eu trabalho ainda mais, mas muito mais devagar. Para um texto que eu escrevia em dez minutos, hoje estou levando uma hora”, exemplifica o autor, também integrante da banda Saco de Ratos Blues.
E, além de sua peça em cartaz no Sesc da Esquina, talvez seja possível vê-lo nos palcos em outro tipo de performance. Gosto muito de vir tocar Rock-and-Roll em Curitiba. Espero que a gente consiga lançar em breve o nosso CD por aqui”.
Serviço
Música Para Ninar Dinossauros.
Teatro Sesc da Esquina (R. Visc. do Rio Branco, 969), (41) 3304-2222. Dias 18, 19 e 20, às 21h. R$ 45 e R$ 22,50.
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