Jornal do Estado/Bemparaná
Zuenir Ventura revê, 20 anos depois,os personagens de seu mais importante livro
Adriane Perin
Quando o trabalho deu os primeiros estalidos, a idéia era uma edição atualizada do livro 1968 – O Ano que não Terminou. Mas logo que o jornalista Zuenir Ventura, o autor, se debruçou novamente sobre aqueles personagens, outra história tomou forma. Ele ficou com vontade de descobrir o que foi feito daquelas pessoas, sonhos, desejos e ambições que marcaram o “ano que virou personagem”. A vontade acabou desagüando nos jovens de hoje, cujos dilemas e solidão preocupam o jornalista de 76 anos. “Tanto Cidade Partida (Cia. das Letras) quanto 1968 são sobre jovens excluídos, socialmente , aqueles, e politicamente, estes. Os dois trabalhos convergiram para essa investigação, que acabou sendo também sobre jovens. Quis saber se houve continuidade, quais foram as rupturas. Encontrei jovens de 68 espalhados em vários setores, no governo, na oposição, na sociedade em geral”.
A ânsia em encontrar as respostas conduziu a 1968 – O que fizemos de nós, livro lançado em caixa comemorativa pela editora Planeta, junto com o clássico que chegou ao mercado há 20 anos, tratando da pesada experiência brasileira com a ditadura militar. “A herança deixada é plural”. Sua maior surpresa, conta, foi encontrar rastros de 68 em uma rave, que é, diz, parecidíssima com Woodstock. “O livro foi desenvolvendo dessa maneira, fazendo ponte, criando diálogo. È uma investigação sobre coisas que eu queria fuçar, precisava saber, perguntar”, diz Ventura.
Na conversa por telefone, ficou clara uma certa aflição sobre o futuro e a crença de que é preciso entender as gerações de agora. A expectativa de vida está aumentando, mas não se sabe se o planeta vai suportar, pondera ele. “O pessoal das gerações mais velhas costuma apontar que os meninos de hoje não têm um projeto, mas o que deixamos para eles é muito incerto. Vem daí o apego ao presente”, observa. Uma urgência que o impressionou, e que ele reconhece como uma “busca pelo paroxismo”. “Essa busca agônica deles, vertiginosa; o transe do risco, que notei na rave. A geração 68 fazia a mesma coisa”, observa. “Aprendi muito nessa pesquisa e com um personagem dela em especial, o psicanalista João Batista Ferreira, que foi um importante padre, deixou a batina e é psicanalista de jovens. Ele foi quem me disse que tem um 68 dentro de 2008. Fiquei com aquilo na cabeça. Completei com o que Caetano falou: para ser parecido com aquilo que vivemos tem que ser completamente diferente. Essas frases que me impressionaram muito”.
Na primeira parte do livro Zuenir busca o caminho percorrido por 68 nestes 40 anos, e vai descobrindo traços dele. Encontra remanescentes dos Meia-Oito no governo e na oposição, enquanto trata de mudanças comportamentais, conquistas e novos inimigos a serem enfrentados, valendo-se de pesquisas e estudos. Na segunda parte estão entrevistas com Heloísa Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Fernando Gabeira, Franklin Martins, Fernando Henrique Cardoso e José Dirceu. “Não julgo meu entrevistados, seria antipático. Apenas coloco o que disseram e meus questionamentos diante das pessoas”, diz o jornalista. A seguir trechos da entrevista:
Jornal do Estado — Em duas décadas, desde o livro, e quatro desde os fatos que o geraram, passamos das “utopias socias para as corporais”; da crença na força do coletivo para um individualismo cada vez mais extremo. Como você se sente nesse turbilhão?
Zuenir Ventura — Acho que falta a gente entender essa geração; nós é que temos que entender, o pai tem que entender o filho. É preciso uma autocrítica. Eles têm razão de não querer saber de política, afinal que modelos temos a oferecer? Porque ninguém nem pensa em ser um Senador da República entre eles? Por outro lado, ninguém mais entende a revolução tecnológica do que eles. Não podemos querer que se pareçam com a gente. Não são iguais e não são piores por isso. Tive um pouco de humildade e aprendi nessa pesquisa a ter um olhar mais generoso e compreensivo, menos intolerante e arrogante. Porque quanto mais viramos as costas pra eles, mais sem saída eles se sentem. A geração 68 era mais folgada, arrogantezinha. Se a geração anterior a ela não queria saber dela, ela respondia: “Não confie em ninguém com mais de 30”. A de hoje não tem essa agressividade, fica na dela. Pensa: “não quer conversar comigo, não quer me entender, tudo bem vou pro computador conversar com minha patota”.
JE — Você consegue identificar a principal herança meia-oito no Brasil? Movimento estudantil, engajamento político; liberação sexual, direitos femininos...
Ventura — A herança ruim foi as drogas. Havia uma ilusão ingênua em relação aos efeitos desse consumo, no sentido de abrir a mente e isso virou um instrumento de morte. Hoje existem verdadeiras multinacionais do crime, da morte, da degradação física. E o pior é que a gente não sabe como lidar com isso, sequer discute claramente e combate de uma maneira absolutamente equivocada, desastrosa e ineficaz. É a mazela do mundo. Pra Aids daqui a pouco vai se achar a vacina. Já com as drogas vamos ter que achar um ponto de equilibrio entre a repressão absoluta e o liberalização total.
Avanços comportamentais são maiores que políticos
JE — E a boa herança seria no comportamento feminina? Afinal, bem pouco tempo atrás mulher sequer podia ir sozinha a um bar....
Zuenir — São várias pegadas positivas. Você cita a condição feminana e tem razão. Na entrevista com Caetano e (Fernando) Gabeira eles apontam isso como o maior ganho. Tem também as três avós, do primeiro texto. Elas se separaram, mas como atitude de fazer na prática o que pregavam. Experimentaram a liberdade, indepedência. Mas, hoje em dia, casar e descasar virou algo muito banal. Mesmo assim, acho que no plano do comportamento, em geral, realmente houve mais avanço que no plano da política.
JE — E o jornalismo ...
Ventura — Aí rende outra entrevista (risos). Foi profundamente alterado pela tecnologia, pela informação em tempo real. Em 1961 eu pedia uma ligação um dia antes para conseguir fazer entrevista. Mesmo por avião, as correspondências levavam dias. Esta é uma revolução que afetou muito os jornalistas e não sabemos o que vai ser. Isso tem o lado bom e também o ruim, pois já fui até morto na internet, por exemnplo. Minha família ficou procurando. Então, me parece claro que temos muito a discutir sobre os limites que devem existir e como colocar esses limites. Essa é a grande incógnita. Tem muita coisa pra ser resolvida.
JE — Você acha que agora esse ano vai acabar?
Ventura — Olha, pelo número de entrevistas que estou dando e de edições especiais que está gerando, posso dizer que pelo menos o interesse nele, não acabou. Acho bom desde que se tenha olhar crítico. Não pode fazer apologia de 68 como se fosse maravilhoso. Foi um ano misterioso; não é ano, é personagem, não quer sair de cena.
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